BOP!

Victor E. Folquening escreve, você lê e diz alguma coisa

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Local: Curitiba, Paraná, Brazil

Grupo de gestores para soluções estratégicas nas Faculdades Integradas do Brasil

sexta-feira, janeiro 25, 2008

A BELEZA DO PENSAMENTO RELIGIOSO!


O estudante afegão de jornalismo Sayed Parwiz Kambakhsh, de 23 anos, teve a infeliz idéia de escrever, em um artigo guardado discretamente em seu computador, que Maomé era "assassino e adúltero".

O resultado: foi condenado à morte. Em outubro passado, depois que o irmão de Sayed foi preso por publicar críticas ao Taliban, oficiais do Diretório Nacional de Segurança invadiram sua casa e confiscaram o disco rígido do estudante.

O processo se arrastava, mas o Conselho de Sacerdotes da Província cansou de esperar e decretou a morte de Sayed. Heresia é pena capital no Afeganistão, como sabemos.

Leia esse trecho da reportagem publicada no New York Times de ontem: "Mr. Kambakhsh is a student in the town of Mazar-i-Sharif and also works as a reporter for a daily paper, Jahan-e-Naw. He was accused of downloading a controversial article and adding some of his own words about the ignorance of the Prophet Muhammad on women’s rights".

Comentário, em outro contexto, de um professor de Jornalismo em um fórum de debates online: "O mundo árabe sofre preconceito patrocinado pelos Estados Unidos em favor da causa judia, mas é tão óbvio que a cultura do Islã prega o amor e a tolerância!" Para aquele intelectual, "o radicalismo, em qualquer religião, é exceção".

Como diria o Bender, "kiss my shinning ass!"

quinta-feira, janeiro 24, 2008

PREFIRA ROMERO!






Quando a gente vê um filme como Eu sou a Lenda se dá conta do motivo pelo qual George A. Romero é insuperável no palpitante assunto dos zumbis.
Talvez "tecnicamente", o longa com Will Smith não seja de zumbis. Não se trata de uma história com mortos-vivos. Mas eles comem gente, andam como no clip de Thriller (quando estão passeando: estranhamente viram velociraptors quando cheiram o sangue precioso do protagonista) e são embranquiçados como os morlocks do Orwell.
A diferença com os filmes do célebre diretor B é a qualidade da metáfora. Ou do subtexto, se preferirem.
Eu sou a Lenda tem um orçamento (e um astro) que Romero jamais usufruiria. Até o momento, já rendeu quase 250 milhões de dólares aos produtores. Hoje é o nono filme mais visto dos Estados Unidos, mas passou semanas em primeiro, inclusive aqui no Brasil.
Com Will Smith e efeitos especiais para lá de bacanas, era lucro certo.
Então porque não contrataram um roteirista? Eles já estavam em greve?
Até uma certa altura, é um ótimo filme. Tem cenas legais de Nova Iorque entregue ao capim, sustos a cada cinco minutos, a alternância entre silêncio e música minimalista, uma boa interpretação do carismático Smith (amargando a solidão com lampejos de psicose), cenas de tensão bem dirigidas, etc.
Mas quando a cadela morre, a vaca vai para o brejo.
Um misticismo previsível e barato toma conta do enredo. Parece que a Fundação Templeton (que sustenta pesquisas "científicas" e premia "cientistas" que tentam provar a existência de Deus) passou a financiar cinema, também. Digo "previsível" porque, se o seu cérebro não estiver de férias, vai sacar que não se menciona "borboleta" duas vezes, gratuitamente, num enredo. O problema é que até o previsível é decepcionante! A cura está na borboleta? Nããão. É mais besta que isso.
Para variar, brasileiros são tratados como idiotas. Nesse caso, uma idiota "do bem". A infeliz que salva Smith do ataque dos zumbis do sarampo é nossa conterrânea (interpretada por Alice Braga) e nunca ouviu falar de Bob Marley! Diz que chegou até o solitário morador de Nova Iork porque "God told me to" (o que lembra o terrível, mas estranhamente divertido filme dos anos 70). Você até se ofende porque faz parecer que essa gente terceiro-mundista (nós, no caso) é supersticiosa, desinformada, crente ignorante que prefere abracadabras cristãs à ciência. Mas é pior do que isso: no fim, ela tem razão! A brasileira é a "boa selvagem".
Há um pouco de Mad Max, muito de filmes de zumbis e um roteiro que não explica nada de forma direta, livra-se do objeto em si (a cura para a doença) em nome da "mensagem de esperança".
Prefira a Quadrilogia dos Mortos, de Romero (Night, Dawn, Day and Land of Dead). Você sai incomodado, pelo menos.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

O MUNDO ASSOMBRADO PELOS FAST FOODS!


Graças ao Lucas Rufino, finalmente adquiri A Melancolia dos Fast Foods. Vou procurar meu conto infantil e publicar aqui, para rirem de mim.
Aproveito para recomendar um velho clássico da crítica à pseudociência: O Mundo Assombrado pelos Demônios, do Carl Sagan (Companhia das Letras). Nele, por exemplo, você descobre que "num levantamento de 2700 membros da Associação Psicológica Americana, 12% responderam que tinham tratado casos de abuso de rituais satânicos (enquanto 30% mencionaram casos de abusos cometidos em nome da religião)" (publicado originalmente em 1995 e minha edição é de 2006, p. 185). Ou seja, pelo menos a partir dessa mostra, Deus ou Cristo ou outro nome divino inspira mais abuso sexual do que o próprio Chifrudo.
Outra coletânea preciosa é do Richard Dawkins, o mesmo que ganhou manchetes com o ótimo Deus, um Delírio. Trata-se de O Capelão do Diabo, série de artigos e resenhas em que desmonta pseudocientificismos que vão de mediunidade à rebuscada produção pós-moderna dos franceses. Os dois são da Companhia das Letras.
Concluí a leitura do Dennett (Quebrando o Encanto: a religião como fenômeno natural, Editora Globo): fundamental para quem ainda acha que religião (futebol e política!) é indiscutível. A comparação, no início do livro, é brilhante. Há um parasita chamado Toxoplasma gondii que ataca o cérebro do rato. O roedor fica desinibido, valente e enfrenta o gato. Sabe por quê? Porque o parasita só consegue se reproduzir no organismo do felino. Pense em como as religiões organizadas são formadas e como "contaminam" milhões de pessoas sem nunca, em nenhum momento da história da humanidade, produzirem uma única prova consistente de seus milagres. Para muitos, há uma necessidade "espiritual" e "inexplicável" de Deus, o que motivaria os crentes a aceitar que alguém nasceu de uma virgem e que um barbudo escolheu alguns bichos para colocar em um navio. Enfim, ninguém vê o Toxoplasma gondii a olhos nus. Será que o rato pensa que é Daniel e teve uma "revelação" na cova dos gatinhos? (essa comparação é minha, não culpem o filósofo!)
Maravilhoso, não é?

UM NOVO COMEÇO (Os Diários de Morgadon, parte 4)







Fui ao interior com mamãe e a Mulher Que Mora na Minha Casa. Domingo nublado. Lotamos o carro com guarda-sol, isopor e tuppewares cheios de bolo de fubá e sobras de churrasco. Tem uma tia lá nesse lugar. Parece que ela sabe onde fica um tal Recanto dos Almeidinhas, fonte de água “mineral” cheio de clareiras para assar uma carninha e gelar cerveja no próprio córrego.
Mas não achamos a casa da tia. Começou a chover.
Quando voltávamos, desanimados, percebi uns gritos na casa de madeira no barranco. A porta abriu e um cachorro saiu chutado. Um homem barbudo apareceu na soleira, onde havia uma grade de ferro para tirar o barro do chinelo, e gritou: “sai daqui, lazarento!”
O cão se encolheu num canto. Olhei para a Mulher, que dormia no banco de trás. Minha mamãe estava distraída, tentando morder o próprio ombro. Encharcado, meu novo Pet, aquele que me ajudaria a encontrar Levaudaga, me olhou com a candura dos bravos.
Abri a porta.
“Vem, Lazarento, vem...”
O destino começa a se cumprir.

sexta-feira, janeiro 18, 2008

LIÇÕES SOBRE A VIDA! (Os Diários de Morgadon parte III)


Deparei-me com duas duras verdades nessa semana.
A primeira é que Lavaudaga, meu destino espitual, o lugar onde finalmente me encontrarei com o Povo Indiomar e recuperarei a Coroa de Morgadon, libertando a raça Sux da escravidão e da precariedade no abastecimento de água, é mais longe do que sonham os humanos, doravante chamados simplesmente de Pessoas.

Passei dias atormentando A Mulher que Mora na Minha Casa e Não é Minha Mãe sobre o significado de um sonho frequente: um bode aparece no meu quarto, de madrugada, e começa a comer meu lençol. Salto da cama e peço que ele se retire. O animal apenas balança negativamente a cabeça e continua mastigando. Quando chega perto do meu pé... eu acordo. Estou sempre encharcado, como se o bode tivesse urinado em mim.
Na última vez que contei, Ela parou de mastigar a salada de repolho com semente de abóbora e ficou, meditativa, olhando para dentro do meu nariz. Um vento sibilante preencheu o apartamento e a Mulher desviou os olhos para fora, para o infinito. Compreendi: era uma resposta que eu deveria buscar sozinho.
Sozinho, não.
Com a ajuda de Mordecai, meu Pet.
Quando encontrei Mordecai miando embaixo da pia, há doze anos, imaginei que Deus havia me enviado mais um gato pesteado, que agora faria companhia para meu papagaio pesteado e meu hamster com fungos. Mas desde cedo, o gatinho mostrava algo diferente. Em 2004 ele caiu do quinto andar de meu prédio. Quando o vi pulando, pensei que iria voar, tanta era a convicção do felino (talvez ele fosse mesmo, mas ainda não estava preparado!). Desci, triste, para retirar a massa de carne explodida da calçada. Para minha surpresa, Mordecai estava tonto, com vários ossos quebrados, um olho furado, mas estava VIVO!
Hoje eu entendo que ele não é um gato. É outro dos 797 Guerreiros da Luz, encarnado em um felino - como também foram Tigra, Willie Cat e Willie Kit.
Chega o momento, cara Pessoa, de dizer algo mais sobre os 797 Guerreiros da Luz. São avatares, espíritos de Luz que, a seu tempo, combateram o Mal e as Trevas. Jesus foi um deles, Thomas Edison foi outro. Madre Tereza, Ayrton Senna, João do Pulo, Dedé, Betinho, Paulo Freire e o ator Brad Renfro são como eu e Mordecai.
Escrevi um bilhete sobre o sonho e amarrei, com uma fita vermelha, no pescoço de Mordecai. Coloquei-o dentro de um saco e peguei um ônibus para o ponto final da linha Bacacheri-Pinheirinho. Descobri uma rodovia lá. Abri o saco e soltei o bichano de Luz:
"Vá e volte com notícias, meu nobre guerreiro".
Faz um mês que espero a volta de Mordecai e já começo a perder as esperanças. A viagem para Levaudaga, concluí, é longa demais e eu não posso esperar tanto tempo. Pensei que cinco, dez ou quinze anos seria um tempo razoável para aguardar o retorno de meu gato ancião. Mas a odisséia pode demorar 50, 100 anos! Estarei vivo até Mordecai voltar?
O que me leva à segunda dolorosa verdade: precisarei eu mesmo caminhar pela Estrada da Iluminação (como chamamos a Vida) para encontrar minhas respostas.
E terei que levar um novo Pet comigo.

* Ditado pelo espírito Rabicó.

O NOME DO GUERREIRO! (A Saga de Morgadon parte II)


A Mulher que Mora na Minha Casa e Não é Minha Mãe revelou, finalmente, meu Nome sagrado de Guerreiro da Luz. Ela tem um Nome impronunciável, mas meu batismo na luz já havia sido feito em tempos imemoriais pelo próprio Primeiro Profeta Preclaro da Província de Pron.

Foi uma semana difícil. Ela me pedia favores o tempo todo e, cansado de repetir exercícios de iluminação obscuros (como lavar suas roupas com movimentos circulares e longitudinais), me recusei a ir à farmácia.
Quando ela mencionou a tarefa, dei as costas. Era agosto, e o cheiro das queimadas preenchia o ar. Uma folha cortou o céu e o halo de luz recortado do sol me deixou tonto. Lá atrás, no jardim, ela finalmente gritou meu Nome. Percebi que sentia dor e entendi o significado disso. Ela cruzou a linha, ela desobedeceu à Ordens Superiores porque me amava, porque não queria mais me ver sofrendo na dúvida.
Até hoje, dois dias depois, eu ouço claramente sua voz tonitruante ecoando pela entrada do prédio:
"Diazepan"!
Eu sou Diazepan, um dos 797 Espíritos da Luz!

*Ditado pelo espírito Valdenei.

OS 797 ESPÍRITOS DA LUZ! (A Saga de Morgadon parte I)


Ela chegou na noite em que mamãe fez salada de repolho com casca de banana. Eu lembro porque... enfim, ninguém esqueceria de uma porcaria dessa. A campainha tocou. Era tarde, quase duas da manhã. Mamãe já havia terminado sua casca e agora lavava os cotovelos na pequena bacia que herdamos da vovó. Estremeci, mas, por algum motivo, atendi a porta sem olhar pela janelinha, que estava aberta e iluminada.
Era uma moça, linda. Olhos azuis profundos, lábios pequenos e torneados. Tinha o tronco ligeiramente maior que as pernas - ou pelo menos uma das pernas - e usava um elegante gorro azul comprido com duas penas na ponta.
“Estou aqui porque você é um de nós”, ela disse suavemente.
Eu já havia a visto em sonho. Por isso acreditei nela.
“Posso entrar?”
Desde então, essa mulher mora conosco, come nossa comida e usa as roupas da minha mãe. Ela é um dos 797 Guerreiros da Luz, assim como eu. Sua presença em nossa casa é fundamental, pois aos poucos me ensina como me tornarei digno do Medalhão Azul do Perpétuo Poder, destinado a mim pelo Primeiro Grande Sábio da Luz desde tempos imemoriais.
O Dia da Revelação completa dez anos agora. Continuo aprendendo, dia após dia, como chegar ao topo de minhas potencialidades espirituais.
Ontem ela me deu uma nova lição, depois que insisti muito enquanto caminhávamos no Bosque do Papa. “Puxa, às vezes acho que está me enganando. Eu compro roupas, financio viagens e pago prestação de secador de cabelo para a Senhora, mas até agora meus poderes não se manifestaram...”
Ela parou por um instante, deu um suspiro, e olhou para o céu. Percebi que as folhas arquearam nos galhos. Uma brisa morna tocou meu pescoço. Silêncio.
“Sim, eu entendo...”, consegui dizer, com a voz embargada.
Mal posso esperar pela lição do próximo semestre, freqüência que foi determinada pelo Grande Olho de Antigamente, espírito iluminado de uma época e um lugar onde o tempo corre em outras linhas dinâmico-astrais.

*Ditado pelo espírito Juba

PORQUE AFETAÇÃO É TÃO DIFÍCIL DE ENGOLIR!











Dias atrás eu precisei ter uma dessas conversas chatas de trabalho com um colega. De cinco em cinco minutos o camarada me saía com uma metáfora. “Se eu sou um coelho, o que eu faço? Eu como cenouras”. Depois, acuado pela proposta de mudar os rumos de determinado projeto, ele começou uma frase assim: “a sabedoria popular não pode estar errada quando diz que dois pássaros na mão...” Bom, estaria errada se se chamasse “burrice popular”, mas a questão não é semântica. “Sabedoria popular?”, retruquei, “pensei que estivéssemos defendendo o conhecimento científico”. A resposta, dada num ar de velho ancião: “A ciência não explica tudo” Valha-me Santo Brian Wilson!
Um outro conhecido deu de comentar filmes num grupo de discussão. Sobre Desejo e Reparação: “Não gosto do final, porque o amor não precisa ser inventado. O amor existe e é lindo”.
Nesse exato momento, o cantor Zé Geraldo dá uma entrevista para o Pontapé Inicial, da ESPN. Os fãs mandam dezenas de mensagens dizendo que ele é “genial” e que seu compromisso com a luta sindical e com as causas populares é emocionante. O cara canta uma música “do ponto de vista” de um pedreiro. “Tá vendo aquela igreja, seu moço?/ Eu também ajudei a construir”. Adivinhe o final? O pobre trabalhador não pode entrar em nenhum dos prédios em que botou a argamassa, menos na igreja, “onde o padre diz amém”. Os jornalistas da mesa aplaudem efusivamente (talvez por educação, mas vá saber!)
Essa pobreza pseudo-populista é bastante comum no jornalismo, em que, de alguma forma, a emoção costuma parecer mais “verdadeira” do que os fatos. Por mais paradoxal que pareça.
Estou contando isso porque dei uma entrevista sobre ensino de jornalismo para um programa de tv e, ontem, fiquei sabendo que a repórter se encantou comigo porque eu teria preferido “dar um depoimento emocional ao invés de apresentar números frios”. Fiquei com medo de mim mesmo, mas lembrei que cada frase era a respeito de projetos concretos em andamento, o que pode ter levado minha cara redonda a expressar alguma emoção. Por um segundo, com um frio na barriga, me imaginei dizendo: “O importante é que o amor vença” ou “nossos alunos são pessoas humanas extraordinárias, cada uma com seu talento especial”.
A gente pensa, pensa e não consegue identificar com clareza porque essa falta de objetividade e essa recorrência a cheap thrills encanta tanto estudantes de jornalismo e jornalistas. Mas a hipótese mais provável é falta generalizada de repertório em uma área em que a posição política sobre tudo é tão requisitada. Ou seja, não é que os jornalistas são especialmente tiger. É que, em outras profissões (tirando profissionais de Letras e Artes em geral), a exposição das opiniões estéticas não é levada tão a sério. Quando um contador diz que adora Picasso "porque ele é colorido”, os demais participantes da conversa riem, concordam, discordam, consideram uma opinião ingênua ou original, verdadeira ou impostura e, no final, todo mundo esquece e continua falando de outras coisas. Mas um estudante de Jornalismo ou um jornalista apresenta as credenciais no tom da voz, no ar de “sou experiente nos problemas da vida, pois eu vi a inundação da favela” ou, o que é pior, “cobri o show da Madeleine Peiroux e do Nando Reis”.
Sei que é quase leviano chutar essa impressão, mas me soa que esse espírito “corporativo do amor” é o principal motivo para que boa parte dos professores de Comunicação apóie a idéia de uma “teoria do jornalismo” ou da aceitação do jornalismo como uma área específica da ciência.
É uma luta, uma causa. Não é um exercício intelectual coletivo. Uma espécie de versão localizada do espírito do Fórum Social Mundial, com direito a canções de protesto e cervejada num boteco da "resistência".
Senti isso até quando conversei com meu amigo e conterrâneo Gerson Martins, presidente da Federação Nacional dos Professores de Jornalismo, depois de uma palestra que dividimos no Mato Grosso. “Não acredito na teoria do jornalismo”, confessei ao camarada, que é um dos maiores defensores. “Eu estou plenamente convencido”, respondeu como num ato de fé, e, com os olhos arregalados de surpresa, perguntou sobre meu mestrado. Ciências Sociais Aplicadas. “Então é isso”, ele diagnosticou, “Você não acredita porque não tem mestrado em Jornalismo”.
Ou seja, não fui catequizado.
Sei que sou uma das pessoas mais antipáticas do mundo e nem tenho a vantagem de aparecer na TV, como o doutor Gregory House, mas será que precisamos mesmo de tanta afetação assim? Esse “misticismo da prensa” é realmente uma vantagem para o perfil do jornalista?
Quanto mais alto o cargo, maior o rombo”, acaba de cantar o Zé Geraldo, no final do Pontapé Inicial.
......
As imagens aí de cima não têm nada a ver com o post, mas ando encantado com esses cartazes de filmes classe C. Se alguém souber onde conseguí-los em tamanho original... "O Incrível Transplante de Duas Cabeças"? Genial!

segunda-feira, janeiro 14, 2008

NERD!














Eu sei. Quase todo mundo implica com nerds. E eu sou um de vocês. Já tive muitos alunos e amigos nerds, até do tipo que se veste de Luke Skywalker para ver a estréia de Star Wars ou compra dois exemplares de gibi para manter um guardado no plástico.
As categorias de “nerd” tendem ao infinito e eu tenho medo particular daqueles que adoram “rock progressivo sinfônico” (têm camiseta do Dream Teather e discutem se o Rush dos anos 70 é melhor que o dos anos 80). Pior ainda: há os que acompanham lançamentos de games. “Olha, saiu o Word of War Craft XXIII”.
Esses mesmos acham que, entre os três grandes gênios da humanidade, um é Allan Moore. Já sabem o nome do primeiro filho, quando casarem com as garotas emo que encontraram no show do Vandula: Aragon.
Mas um rápido episódio na locadora, esses dias, me deixou assustado.
Porque eu também sou meio nerd.
E antes que você pensasse “só você não tinha percebido”, eu já vislumbrava que quase todo mundo tem umas gotas de nerd em si. Até o Benett, que se esforça para ser junkie: ele coleciona Seinfield e tem pôsteres do Woody Allen por todo o apartamento. A coleção completa de Simpsons! Possui conta no orkut! (há coisa mais nerd que essas comunidades de orkut? “Fãs do Kramer”. Deus meu!).
Afinal: nerds e junkies são duas formas de vida semelhantes. Aposto que há comunidades virtuais com o título “eu quero ser Jack Kerouack”.
Não podemos esquecer dos nerds depressivos e satânicos. O Marcos Valle, meu amigo lá da Unibrasil, descreveu o suicídio de um colega que era adepto do “Death Metal”. Na página do orkut do infeliz, dezenas de parceiros comemoravam a ida do piá para “o reino de Satã”. Puá!
O episódio que me sugeriu esse post foi o seguinte.
Fui a uma locadora nerd ali na Praça do Japão. Ótima, com filmes importados e tal. E quem trabalha lá? O Jaime, amigo do Irinêo, notáveis nerds de Ponta Grossa (aliás, procurar emprego em locadora de filmes é o sonho dos nerds adolescentes – embora essa não seja a faixa etária do caso).
O Irinêo, por sinal, labuta no Caderno G e fez um projeto de conclusão de curso (com o Benett, lá na UEPG) sobre nouvelle vague. Nerdworking e nerdresearch.
Perguntei sobre Battlestar Galactika para o Jaime. Não tinha, mas, em poucos segundos, como o veneno inclemente da mamba negra que ataca o sistema nervoso, conversávamos, empolgados, sobre as melhores séries de ficção científica da tv. Eu queria parar, mas algo incontrolável dominava minha mente. “Eu não gosto do Pickard”, o Jaime dizia. A luz vermelha acendeu e pensei que deveria fugir. “Cale-se! Vá embora daqui”, insistia para mim mesmo. Mas a voz veio evoluindo da minha garganta feito o sangue do elevador em O Iluminado. No ínterim, eu vi o Marden Machado rindo da janela de seu imaculado apartamento em que todos os gibis e filmes são catalogados e os filhos usam cabelo comprido à moda dos anos 80. “As pessoas falam mal”, eu comecei, “Mas eu gostei bastante da série Enterprise...”
Eu estava perdido. Fui seduzido pelo Antigo Espírito Nerd do Mal, que transformou minha forma mundana em um trekkie.
A Priscilla me salvou – mas fomos para casa assistir House, que eu adoro.
E isso nem é o pior.
Meu primeiro emprego foi numa locadora!
Meu e do Benett, aliás.
(confesse: você não queria um cartaz de recompensa pelo Mestre do Kung Fu? E Robinson Crusoe em Marte? O Ataque do Povo Boneco? Godzilla contra a Coisa?)

quarta-feira, janeiro 09, 2008

A MELANCOLIA DOS APARTAMENTOS MILIONÁRIOS!


Uma genealogia das letras coloridas:
Eu decidi que ganharia a vida escrevendo – de um jeito ou de outro – quando percebi as vitrines, placas, camisetas, gibis, cartazes e tudo aquilo que fosse decorado com letras, tipos coloridos ou sombrios; Naquela névoa da infância, me encantei com signos carregados de um profundo e literal mistério.
Quase tenho certeza de minha primeira experiência pública com leitura. Minha mãe me levava pela mão ao longo de uma calçada da rua Coronel Cláudio, em Ponta Grossa. Agora é um calçadão, mas no final dos anos 70 era o endereço de uma loja chamada O Azulão Alberto Ansbach e da fábrica da cerveja Antártica, casa da mítica Original.
Eu consegui decifrar as letras: CASA VITÓRIA. Parecia meu nome, que, aos quatro anos, é a primeira coisa que seus pais te ensinam (a não ser que você se chame Jawaharlal Nehru ou Juvenal Habyarimana). Fiquei exaltado e, empolgado para confirmar o diagnóstico com a dona Neli, virei meu rosto para frente e... um poste. Meu nariz jorrou sangue uns cinco minutos. Minha mãe é apavorada, mas eu era tão distraído (dezenas de cicatrizes!) que ela quase riu (acho, pois meus olhos estavam embaçados por causa da batida e o rosto dela, lá no alto, confundido com a luz intensa do sol e umas espocantes bolhinhas amarelas, poderia ganhar uns traços inexistentes... se eu fosse um argelino armado e ela, árabe, o final teria sido bem desconfortável).
Em outro momento da minha vida descobri um título. Não sei se foi num sebo ou num catálogo. O nome do livro era A Melancolia dos Fast Foods. Eu não sabia o que era fast food – e Ponta Grossa também demoraria uns quinze anos para descobrir. Escrevi um conto pensando no título e inscrevi num concurso de adultos. Para minha surpresa – e da comissão julgadora, da qual fazia parte Miguel Sanchez Neto – eu ganhei. Tenho os troféus até hoje (também fiquei com o terceiro lugar) e uma edição do jornal Ponta a Ponta em que “Numa manhã de escuridão” foi publicado.
Até hoje procuro A Melancolia dos Fast Foods pelos sebos. Muito antes, porém, vi um livro com reproduções de Edward Hopper. O quadro mais famoso, Nighthawks, parecia uma ilustração perfeita para meu conto, uma versão visual esplêndida para A Melancolia dos Fast Foods e um complemento in the mood para o sangue do meu nariz turvando o letreiro da Casa Vitória.
Há cópias de Hopper por todo o meu apartamento.
Mas eu já não acho melancolia uma coisa agradável. Deve ser porque aprendi o significado – e o vivi algumas vezes – e porque conheço perfeitamente a falta de charme dos fast foods.
Então minha aventura pelos apartamentos milionários de Curitiba não me deixou aquele ar de “Curtindo a vida adoidado”.
Domingo à tarde, quando passeávamos de carro, convidei a Priscilla a visitar uma “apartamento decorado” de um prédio pomposo em construção na Visconde de Guarapuava. Era um desses de “preço médio”: 900 mil reais. Dali em diante vimos outros três ou quatro mais caros.
O resultado final foi a melancolia. Mas não porque naturalmente não tenho grana para morar nesses lugares. É porque eu não fiquei com vontade.
O primeiro prédio: 190 metros quadrados e apenas dois quartos. São amplos, são bonitos, o piso de mármore é aquecido. Tem tv de plasma no banheiro. Mas algumas janelas são tão pequenas... Elas nem existem nos banheiros. Tem algo nas frestas das portas, tem algo grande demais, custoso demais, parece uma Xanadu sem importações exóticas.
O segundo apartamento: 1,5 milhão. Também na Visconde de Guarapuava, com vista para os outros prédios. 600 metros quadrados. Duas acomodações para os serviçais (que devem ser anões ou oompa loompas, pois não consegui entender como uma cama de adulto caberia ali). Quatro vagas de garagem. Na do vizinho, uma Ferrari amarela coberta com um cobertor vermelho. Ninguém na piscina, na churrasqueira, no salão de jogos, na academia ou na sala de chá. O apartamento é um labirinto. Banheiros demais. Sem janelas, a maioria. Uma grande hidromassagem no que descobri ser a Suíte Principal. Mas o vidro é totalmente canelado e ninguém veria o céu, o horizonte ou mesmo a chuva enquanto sentisse suas costas serem golpeadas delicadamente pela água.
O terceiro apartamento: 870 mil. Um duplex na Padre Anchieta. Janelas enormes que mostram o parque Barigüi. Tem um Itaú Personalitte embaixo, o que dá aquele ar Beverly Hills que as pessoas gostam (serviço caro com placa discreta e marmoreada). Quatro vagas de garagem. Sem janela no w.c. e uma banheira tão pequena que só serviria para o empregado-pigmeu. Tem uma piscina, bem rasa, mas uma coluna de enfeite, sobre ela, provoca a sensação de que teremos sol só uns quinze minutos por dia. A taxa básica de condomínio: 2 mil reais.
E pastilhas por toda a parte. Na recepção, candelabros sobre sofás que imploram pela sua aprovação. Cores “neutras”, paredes com tinta lavável e pinturas feitas sob encomenda por especialistas em arte abstrata para condomínios.
“Imploram”. A expressão é da Priscilla e cabe perfeitamente. Esses prédios caros de Curitiba, em sua maioria, “imploram” para parecerem chiques, elegantes, de bom gosto. Mas não saem da categoria tigerbuildings (essa uma expressão minha, resultado de uma expedição a um parque aquático no final de ano. O lugar mais tiger que já fui, excluindo noivados com “pedido da mão” e festas de quinze anos). As salas “íntimas” são imensas, os closets são imensos e tudo que é deliberadamente fútil é imenso – pois a intenção não é impressionar pelo gosto, mas pelo gasto. “Não temos público para impressionar pelo gosto”, diria, com razão, uma colunável desses prédios de 50 anos no Batel.
Então vem a segunda parte da expedição. Edifício Jardim Europa, quase na esquina da Bruno Filgueira com a Silva Jardim. Uau! Você precisa se cadastrar e registrar a impressão digital do seu indicador para atravessar o portão. Um ótimo corretor, Marcel, nos mostrou – ele mesmo meio sem fôlego – os detalhes desse apartamento de 680 metros de área útil e cinco vagas de garagem.
No hall de entrada, uns cinco metros de pé direito. Lá fora, nos ornamentos do jardim, são dez metros! A impressão inicial é um pouco decepcionante. Um espelho gigantesco, pinturas enormes e antiguidades legítimas espalhadas pela recepção. Mas elas têm placas! O nome da loja onde foram compradas...
Bem, mas o apartamento é enorme. Disse para o Marcel: “Vou transformar um desses quatro quartos em biblioteca”. Tolinho, ele pensou, e me levou até o cômodo que efetivamente foi projetado para ser biblioteca. Na Suíte Principal há um closet maior que a sala do meu apartamento e dois banheiros – um para o cavalheiro e outro para a dama (nas palavras dele). Uma sala de jantar deliciosa e uma varanda quase do tamanho do meu lar inteiro. Adega, sala de home teather. Mármore italiano. Uma sala bem grandinha só para a central de ar condicionado.
Descemos até a piscina. Duas, uma delas interna e aquecida. Mas não tinha ninguém lá, apesar de 11 dos 21 apartamentos já estarem ocupados. Não havia ninguém em nenhuma das saunas nem na academia. “Esse pessoal vai ao clube”, concluímos eu, Marcel e Priscilla.
O preço é até acessível: quase três milhões de reais, contando a decoração (dá para economizar um pouco trocando o mármore italiano por aquele piso vermelhão ou deixando assim, brutte). “Não existe empreendimento semelhante em Curitiba”, suspirou Marcel. Pelo jeito, não há mesmo. Outros lugares são caros, caríssimos. Mas têm pastilhamento, janelas pequenas, escravos-anões. O gosto, no Jardim Europa, é bem menos tiger que em outras construções. E você recebe seco. Decora do seu jeito milionário de ser.
Mas, no fundo, todos eles me soaram profundamente melancólicos.
E não é por causa do preço. Se eu fosse milionário, viveria muito bem, com certeza. É porque parecem faltar imaginação, repertório, charme para esses lugares. Tudo que pode trazer prazer de verdade (quarto, banho, biblioteca, adega e cozinha, principalmente cozinha) parece se reduzir em nome da pompa explícita e da triste sede de segurança. Salas de estar enormes, com lareiras amplas e decorativas enquanto o sol brilha esplêndido.
A primeira corretora que nos atendeu, Nádia, comentou que empreiteiras de São Paulo começaram a dominar o ambiente urbano de Curitiba. As da cidade foram minguando e por algum tempo simplesmente não havia opção de imóveis “bons” (quer dizer, de luxo) na capital. Melancólico.