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Victor E. Folquening escreve, você lê e diz alguma coisa

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Grupo de gestores para soluções estratégicas nas Faculdades Integradas do Brasil

terça-feira, novembro 21, 2006

O AVATAR # 12! Nova temporada das aventuras de Rocky Ombro!


Episódio de hoje: "Doce como a baba de um dragão de komodo".



Distraído, o detetive Rocky Ombro leu todo o primeiro caderno, passou pelas
notícias sobre comida no suplemento de artes, mencionou os resultados do handebol
infanto-juvenil da seção de esportes e só percebeu que Elizabete já havia
dormido quando se espantou com a popular coluna social de Dona Berga Motta, o Lagarteando. Era uma edição velha do jornal Noticiário Redigido.
Velha, mas nem tanto assim. Lá estava o empresário da noite, ex-modelo,
ex-celebridade instantânea e ex-presidiário Jaime Donho. A coisa toda era
trivial. Posava ao lado de quatro fileiras de dentes bem escovados, mas
amarelos. O letreiro ao fundo confirmava a legenda: “Chegando de Bombinhas, onde
curtiu um findi com a namo Juraci (ao lado), o bon vivant Donho inaugurou ontem
a Boate dos Sonhos em Romeniatown”. Isso foi sábado passado, dia mundial das
inaugurações. O problema é que Donho morreu uma semana antes.

Ombro deu um grito. Quer dizer, não bem um grito, foi mais uma interjeição. “Rá!”. O suficiente para Elizabete acordar e escrever na bolha OTSUS UEQ. “Pobrezinha”, disse Rocky, acariciando a superfície do plástico, “ainda está grogue de sono”. Depois leu metade do artigo assinado por advogado, para devolver a filha ao mundo dos sonhos, e se perdeu mais uma vez nos próprios pensamentos: “Como alguém morto inaugura uma boate?”
Olhou de novo a foto que ocupava três quartos da coluna social. Tinha algo ali que não parecia certo.
O letreiro em neon, atrás de uma palmeira de plástico. As duas garotas loiras - a da esquerda era, sem dúvida, Berga Motta, embora sua última plástica tenha causado algumas confusões nas lojas de eletrodomésticos.
A mulher da direita, Juraci Alecsandra West, também era inconfundível: o sorriso, as sobrancelhas cuidadosamente aparadas, o queixo arredondado das italianas, a franja lisa sombreando os olhos levemente orientais e um buraco no lugar do nariz.
Ombro notou que o brinco esquerdo de Juraci era curioso. Parecia um oito... ou seria macarrão espiralado... ou um pedaço de taenia saginata...
Quando estava prestes a desistir, um cão latiu no final da rua do Tatu Esperto. Um ouvido destreinado entenderia “au au auooooouuu”, mas Ombro ouve o invisível. “Aulhe de nouvuuuuuu” foi o que interpretou.
Então desceu até o porão e recuperou a máquina de ampliação fotográfica utilizada pelo inspetor Deckard num caso com replicantes. Montada na mesa de centro da sala, a geringonça justificou a campanha liderada pelo Departamento de Polícia contra o photoshop. Ali estava: o “brinco” nem se aproximava de comida ou lombriga. Era um número em perspectiva, colado ao fundo da paisagem: 80.1.
Amanheceu e Rocky ainda virava de um lado para outro, procurando uma posição que fosse tão confortável quanto descobrir o que aquele número significava. Como nada lhe ocorreu, decidiu sair da mesa de centro e ir para a cama. Inútil. Sentia-se mais desconfortável do que um faquir numa piscina de bolinhas. “Vou dar uma volta”. Vestiu o sobretudo herdado de Peter Folk, pegou as chaves e tirou a ambulância reformada da garagem.
Ao dobrar a esquina, ligou o rádio na esperança de, pelo menos, adormecer um pouco ao volante.
“Eu vou contar uma história
Vejam só, que legal
Apareceu na cozinha
Rostos de gente morta
Que horrível, que nojo, vou fugir daqui”.
Ombro se espantou com a qualidade da letra e esperou por duas canções até que o locutor descrevesse o bloco.“Essa e muito mais, você escuta na 70.5, a rádio que só toca assombração...”
“Bah! Romeniatown”, resmungou o detetive, “Vamos ver o que tem aqui...”
“... Hoje é o Dia da Cura do Berne aqui na 70.6, a rádio que Jesus escuta no céu”.
Mais uma empurradinha do dial:
“Queria oferecer para a Lidiânia lá da Cachoeirinha dos Curupiras e queria dizer que escuto a 70.7 o dia todo...”
“Amanhã de manhã, no mesmo horário, aqui na 70.8...”
“70.9, a rádio que repete mais!”
“Quem gosta de britadeira, só si-si-sintoniza a 80.0”
“80.2, mais zumbido no seu enxame...”
A essa altura, Ombro estava tão irritado que... espere! Procurou as últimas três freqüências e ouviu atentamente. Havia uma emissora ocupando cada palmo daquele latifúndio sonoro. Menos onde a haste vermelha de seu Autorádio Samburá, que veio com a ambulância, marcava 80.1. Apenas estática.
E um mistério cuja rocambolesca resolução Ombro jamais esqueceria.
*(continua)

segunda-feira, novembro 20, 2006

QUEM SABE DÊ UM LINHA DIRETA? OU ALÉM DA IMAGINAÇÃO?

O empresário do entretenimento, ex-celebridade do Big Brother Brasil, que posou nu para a G Magazine e foi preso com ecstasy e maconha, Edilson Buba, 34 anos, morreu de madrugada e foi cremado ao meio dia.
A imprensa lamentou o que chamou de "câncer" que vinha comendo a vida do empresário curitibano. Vários sites garantiram que ele lutava contra a doença, internado em estado grave, havia mais de dois meses. O UOL, por exemplo, chamou a causa da morte de "infecção generalizada" (um clássico eufemismo para doenças-tabu, aliás).
Leão Lobo até especulou sobre a relação entre infelicidade e tumor cancerígeno - o colunista social da TV parece convicto de que Buba estava muito deprimido por causa dos escândalos em que se meteu.
A família proibiu os médicos do Hospital Vita de dar declarações a respeito.
Mas na segunda semana de novembro, outros colunistas, falaram de Buba e a esposa, felizes, inaugurando um bar novinho em folha na Rua Chile, aquela que o Caderno G chamou, misteriosamente, de "Broadway de Curitiba" uma certa vez.
A tal comemoração teria acontecido no último dia 8.
A convicção da imprensa com dados mal apurados é um deleite para fãs do mistério.

quinta-feira, novembro 16, 2006

ESSA É UM TANTO PROIBITIVA PARA NEOPENTECOSTAIS!


Numa quinta-feira de outubro, registramos uma imagem que diz algo sobre o sincretismo religioso no Sul do país.
Na mesa de cerimônia no terreiro do Caboclo Arruda, perto do Tarumã, várias estátuas decoravam os trabalhos conduzidos pelo Pai James Edward, o Jimmy – um homem de meia-idade, tido por “muito conservador” pelos companheiros de lida, temperamento claramente sugerido pelos severos olhos azuis e pela sua resistência a adotar atabaques no serviço religioso da casa.
Jesus, ou Oxalá, é o ícone principal das mesas de Umbanda, mas no mesmo ambiente temos Iemanjá, um Preto Velho, São Jorge, representações de ciganos, índios e boiadeiros. Seguindo as imagens, chegamos a uma popular Nossa Senhora Aparecida, que democraticamente divide o espaço com Cosme e Damião. E, no final, o Nemo.
Sim, Nemo, o peixe que acabou no aquário de um dentista na Austrália.
Espere! É aqui que o sensacionalista se esbalda. Com a matéria desse jeito, o leitor certamente concluirá que “agora não falta mais nada”: se o rito for africano, rezaremos para o Rei Leão?
Imagino que ninguém idolatra ou muito menos “recebe” o peixinho Nemo. Ele estava ali para agradar as entidades infantis representadas por Cosme e Damião.
Mas também a menção não é tão gratuita.
Ontem eu, Adalgisa e Roberval, meus alunos de Documentário, além do meu irmão João Felipe, registramos uma cerimônia comemorativa aos 98 anos de Umbanda no Brasil. Quinze de novembro é também Dia Municipal da Umbanda, e cinco dos cerca de 2500 terreiros de Curitiba realizaram uma gira coletiva no Parque da Barreirinha.
As imagens vêm sendo captadas há mais de mês – e foi o Rober que “achou” o travelling que culmina com o Nemo.
Mas os próprios personagens encarnados, digamos assim, formam um presépio dessa diversidade pós-moderna.
Do outro lado da cidade, bem longe de onde o pai de santo Marco Boing, um louro ex-jogador de futebol de salão, prepara a casa para comemorar o aniversário de casamento com a Fátima, raro caso de “aparelho” que recebe entidades informes e silva como uma sereia, um terreiro do Bairro Água Verde é recanto favorito de médiuns jovens e descolados.
Isso já seria interessante, pois o Candomblé, que guarda algumas semelhanças com a Umbanda, sequer tolera um filho de santo com menos de 14 anos de dedicação religiosa. Invariavelmente, um líder candomblista é idoso. Sérgio, nosso pai de santo teen, tem 22 anos e conduz um grupo cuja média de idade não passa de 24: “Meu corpo é jovem, mas o espírito é eterno”.
Quem freqüenta um terreiro e vê o interesse das crianças, principalmente, não tem dúvidas do apelo desses ritos de raízes negras. Opostos ao kardecismo, corrente racionalista do espiritismo, as religiões afro-brasileiras são cheias de música, coloridos elementos cênicos, variedade instigante de símbolos, dança, erotismo, abraços e uma barulhenta democracia de gestos. A coisa toda pulsa. Sérgio não nega que o suor é combustível da paixão que sente pela Umbanda: “Eu abomino o silêncio”.
De todos os médiuns participantes da gira, Sérgio é certamente o mais janota. Há pelo menos uma dúzia de guias adornando seu pescoço, cada uma presenteada por uma entidade. Essa ele ganhou de um Preto Velho, aquela vermelha e preta foi do seu Exu protetor. Há um colar maior, verde, que atravessa o peito e representa o Caboclo Pena Azul, “padroeiro” do seu terreiro. E esse laço verde na cintura? “Eu uso porque é bonito. E Umbanda é alegria”.
Conversador, cuidadoso com o gel que desenha o penteado negro, e orgulhoso do irmão, parecidíssimo, que integra a curimba da sessão – grupo responsável pelos atabaques e por puxar os pontos de canto –, Sérgio é um típico... sansei! Leia o sobrenome: Kunio Kawanawi.
Como bom japonês, se formou em Engenharia Eletrônica e é professor de Física. Pacientemente, explicou para mim que todos os elétrons produzem energia e que para pensar, precisamos de um movimento de elétrons. Daí, a força do pensamento não é bem uma força de expressão...
xx
Marco Boing, que foi nosso anfitrião nas filmagens, gosta de dizer que a Umbanda é democrática.
Se “democracia” é um conceito difícil de confirmar em qualquer caso, não podemos negar a diversidade.
Quantos japoneses você encontraria numa festa de Umbanda? Ontem haviam três entre as quase 50 pessoas que participaram das giras.
E quantos negros?
Apenas cinco. Duas senhoras, uma mãe e seus dois filhos.
Vejamos essa mãe.
Já havíamos encontrado Vera Borges na Associação Espiritualista Mensageiros de Aruanda, terreiro conhecido pela sigla, Assema, e liderado por Boing. Ela e o filho, Withmarlus, de 12 anos, eram os únicos negros presentes naquele sábado. A família mora com a avó evangélica, em frente, e Vera me disse ontem que passou um ano escutando os atabaques do terreiro até que um dia decidiu vencer a timidez e atravessar a rua.
Ela é divorciada e, para sustentar Whitmarlus e a filha Pâmela, de 10 anos, trabalha como lavadora de carros. “A gente precisa se virar e então aproveita o que aparece”.
Whitmarlus é aluno dedicado na escola e ainda freqüenta a Guarda Mirim. Seu sonho é ser policial. “Para cuidar das pessoas”. Ele quer fazer como o Exu Sete Cruzes, que protege a Assema dos espíritos ruins.
Vera faz 33 anos no Natal. Parou de estudar no segundo grau, mas ainda espera, um dia, ser bióloga e fazer isso que ela faz. Ela é a Adalgisa, que filmava a entrevista. Pedimos então a Vera que registrasse parte da cerimônia. Alguns minutos depois, com a gira a plenos pulmões, e Whitmarlus engrossando os percussionistas da curimba, a garota se esmerava em planos de detalhe das mãos, pés e olhos dos celebrantes. Mais um pouco e aliviei-lhe o peso da câmera: visivelmente, Vera se envolvia com o frenesi de palmas e repiques do adejá. Com a maior felicidade, passou a incorporar as entidades.
Do outro lado do salão, branco e sorridente, o prestigiado professor universitário Celso Klammer, vestido com um guarda-pó branco, não se acanhava em dançar, abraçar os colegas e receber os espíritos. Celso é disputado nos cursos do Centro Universitário Positivo e chegou a ser meu colega, responsável pela sisuda cadeira de Metodologia Científica em Jornalismo. “Há um maravilhoso clima de fraternidade”, descreve com a voz em tom cuidadosamente gentil.
ll
O brilho do Dia da Umbanda no Parque da Barreirinha só foi um pouco ofuscado por causa de uma ausência. Todos contavam com a participação de Norberto Peixoto, escritor e dirigente da tradicional Choupana Caboclo Pery, de Porto Alegre.
Marco Boing começou e terminou os trabalhos explicando o motivo do cancelamento da ilustre visita: “São forças que não podemos controlar”.
Atraso de pousos e decolagens nos aeroportos.

segunda-feira, novembro 13, 2006

VOLVER!


Pedro Almodovar não faz um filme facilmente contestável desde Carne Trêmula.

Na verdade, Tudo Sobre Minha Mãe, Fale Com Ela, A Má Educação e esse Volver são a filmografia de uma outra pessoa, que guarda traços nítidos do diretor anterior - de Kika, Ata-me, Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos -, mas que parece olhar para trás como quem contempla a juventude distante.

Almodovar lembra hoje John Ford. Não pela temática ou pelo sentido de fracasso por trás do heroísmo. Simplesmente por causa do ritmo da narrativa e pela precisão com que maneja os planos.

Numa das cenas mais lindas do filme, a câmera vê, por dentro de uma vitrine colorida, Raimunda e Paula saindo do ônibus. A sobreposição é, ao mesmo tempo, um momento clássico do cinema (como em Sunrise, de Murnau, ou The Cameraman, com Buster Keaton) e a assinatura pop do espanhol, tal citasse explicitamente Don Eddy ("Sapatos Novos para H", de 1974, cujo detalhe ilustra o post) ou outro colorido representante do novo realismo americano.

Mas também soa como Hitchcock, pelo prazer com que engana e, em seguida, convoca o espectador como cúmplice daquilo que os personagens não conseguem ver claramente.

Passados alguns minutos depois que a sessão acaba, Volver não deixa a impressão vigorosa de Tudo sobre Minha Mãe. É muito mais leve, embora trate de abuso, violência e solidão. O amor à condição feminina dissipa suas dores, e sentimos uma doçura esquisita ao ver a velha Carmen Maura voltando à condição de fantasma para cuidar, mais um vez, de uma mulher doente.

É bem fácil oferecer a Pedro o apelido de "cineasta das mulheres", já que não conseguimos enxergar, hoje em dia, ninguém tão hábil e tão sensível no retrato de mães e filhas.

Veja a Raimunda de Penelope Cruz. É apaixonante do primeiro ao último fotograma, enfrentando o medo com o olhar de raiva contido. Todas as mulheres de Volver são maternais e tolerantes. Perdoam, não importa o que lhes tenha acontecido. Mas nem se suspeita que estamos diante de um comentário machista. Pelo contrário: só há três homens com fala no filme. Dois deles são moldura, o outro... bem, o outro se resume, em sua grande cena, a um lindo quadro de branco tomado abrupto de vermelho.

Mesmo assim, não conseguimos chamar o espanhol pela simplória alcunha de "cineasta das mulheres".
O que mostra o grande artista que ele é.

segunda-feira, novembro 06, 2006

SEMANA DE COMUNICAÇÃO!

Hoje, na Unibrasil, começamos nossa Semana da Comunicação Solidária 2006.
Se nada atrapalhar, nada envolvendo caos em aeroportos, teremos jornalistas como Ricardo Noblat (http://noblat1.estadao.com.br/noblat/index.html) e Domingos Meirelles, peças musicais e teatro, entre outros convidados ilustres e benfazejos.
No meio de outras tantas atividades, uma entrevista coletiva com o prefeito Beto Richa - num momento em que o calor da campanha ainda faz esse e aquele pulularem na cadeira.
Leia mais:
http://www.unibrasil.com.br/noticias/detalhes.asp?id_noticia=1401
E preste atenção nas atrações artísticas: a proposta é que as performances sejam acompanhadas de explicação didática e algum debate. No programa, lados B da música popular brasileira e uma peça de Strinberg à moda autenticamente expressionista.
O evento é aberto à comunidade. Pedimos a contribuição de três quilos de alimento não perecível - que serão encaminhados, naturalmente, a instituições de auxílio aos carentes.
Como diriam os garotos-propaganda de loja de eletrodomésticos: você não vai perder essa, vai?!

domingo, novembro 05, 2006

CHOVE!

Daqui 16 minutos eu entro no dia dos meus 33 anos, supostamente a idade em que Jesus bateu as sandálias.
O histórico materno da minha família não é típico do velho testamento: Bisavô Domingos, 67. Bisavó Maria, 65. Avô Lauro, 70. Avó Anita, 64.
O ramo paterno é mais abrupto e mesmo misterioso, o que inclui cirroses, desaparecimentos e suicídios. Minha avó Eleonor até que durou, mas caduca por mais de década.
E nenhum deles era professor ou jornalista, nem dormia menos de seis horas por dia.
Quer dizer, com sorte, estou mais ou menos no meio do caminho.
No último dia da primeira metade da minha vida, assisti Avenida Dropsie, de Felipe Hirsh, no Guairão. Ótima leitura de Will Eisner. Ouvimos Louis Armstrong, Coltrane, Terrence Blanchard. Chove no palco durante uns quinze minutos.
Desnecessário dizer que Eisner, teatro e jazz são veias do meu coração.
Mas o que eu amo mesmo é chuva.

quarta-feira, novembro 01, 2006

SALVO TODOS OS OUTROS!

Não sei se poderia me filiar tão apaixonadamente ao epíteto de Hannah Arendt, a quem Habermas chamava de "democrata radical".
Estou mais para aceitar Churchill: "a democracia é o pior dos regimes, exceto todos os outros".
Podemos reclamar de muita coisa no Brasil, mas acho que é quase dever comemorar o processo democrático, legitimado como nunca na eleição de domingo.
O nosso governador tem lá seus motivos para desconfiar da urna eletrônica - e, por mais exótica que pareça sua reclamação, há muitas instituições que temem pela possibilidade de manipulação. Mas, fora isso, o sistema eleitoral brasileiro é exemplar, tanto na forma como nos resultados práticos. Em poucas horas, tínhamos o resultado completo do país-continente (pensem nos nervos das turmas de Requião e Osmar se a contagem demorasse dias!).
Também não se ouve falar de voto de cabresto ou compra sistemática de eleitores. Não há dúvidas de que isso ocorre aqui ou ali, mas seria alarmismo considerar que esse tipo de crime caracteriza o pleito.
O resultado da eleição, a bem da verdade, foi um triunfo da democracia.
Lula ganhou por uma extraordinária margem de votos, o que lhe dá grandes condições de governabilidade. O que é bom para todo mundo, basta pensar nas enroladas reformas política e da previdência.
O PSDB se tornou um partido de oposição com excelente espaço de manobra: perdeu na majoritária e no número de governadores aliados, mas controla estados que representam 51% do PIB brasileiro. Além de ter, ao lado dos partidos de oposição, representativade indiscutível no congresso.
Ou seja, a vitória de Lula não desmontou a oposição, como muitos temiam.
O jornalista polonês Ryszard Kapuscinski conta que um de seus primeiros choques ao desembarcar na África - onde passou 40 anos como repórter das agências internacionais - foi perceber que, na Gana pós-revolucionária dos anos 50, um certo partico político ganhava salário da República para ser oposição. O Estado se empenhava para forçar a pluralidade.
Ninguém negará que o nosso presidente jamais precisará baixar um decreto remunerando opositores.
No primeiro discurso informal, Lula não ficou empoleirado no muro. Reafirmou a agenda política, chamando a oposição para debater - reconhecendo sua importância - e disse, com todas as letras, que o combate à pobreza continuará sendo prioridade. Ou seja, não assumiu prosa demasiado cuidadosa para agradar a classe média.
Pode parecer pouco para quem nunca viu de perto ou participou do processo político partidário. Ou para quem não leva em consideração o passado tão próximo de golpismo.
Mas, sendo realista, é algo para se comemorar.