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Victor E. Folquening escreve, você lê e diz alguma coisa

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Local: Curitiba, Paraná, Brazil

Grupo de gestores para soluções estratégicas nas Faculdades Integradas do Brasil

terça-feira, maio 01, 2007

DHAL TARKARI AO MODO VATA-PITTA!


Degustei a deliciosa comida indiana pela primeira vez no início do feriado. Olhe aí para mim, sorvendo um suco de kiwi como arremate de um kati mithi sabji.

Não é a comida mais exótica do mundo, claro, mas é bem diferente. Basicamente mistura doce e salgado, incluindo aí sabores picantes.

O meu programa de culinária favorito é o Anthony Bourdin Sem Reservas, que passa no Travel and Living.

Esses dias ele comeu olho (cru!) de foca. Não vi um dos programas anteriores, que ficou famoso porque o chef saboreou um coração palpitante de naja.

Ainda não cheguei lá por motivos óbvios. Curitiba tem uma variedade razoável de restaurantes, mas não muitos com focas esfoladas e cobras venenosas fresquinhas.

Em parte por causa do sabor, em parte por causa dos adoráveis nomes exóticos, a comida indiana certamente passará a fazer parte da minha dieta. Nessa semana ainda, Victor Folquening Sem Reservas vai experimentar o misterioso param gati ka soup.

Índia é, além de tudo, uma famosa composição de John Coltrane. Tem a ver com o período que aquele maravilhoso músico incorporou radicalmente a lógica oriental. As diversas versões dessa música para as gravações no Village Vanguard, nos anos 60, estão na lista das grandes obras-primas do jazz.

O aspecto místico, cósmico, sensual, picante, doce e salgado da cultura indiana tem sido inspiração constante entre jazzistas. Um deles vem transformando essa exploração cultural em um de seus traços mais originais - especialmente porque o jazz só existe na promiscuidade, mesmo. Tão promíscuo que me torna fraco, capaz de sucumbir diante da tal ditadura da novidade.


Música é a menos datada das artes.

Eu, pelo menos, me sinto assim, e acho que boa parte dos amantes da lira parece ter gosto igual. Tanto faz se a ópera Coroamento de Poppea foi escrita no século 14 ou no 21. O prazer de ouvir Monteverdi pode ser assim ou assado dependendo do contexto, do conhecimento da mecânica musical, da época em que foi encenado da primeira vez ou simplesmente se você não sabe nada sobre a composição.

Por isso, nunca me importei muito com a "novidade" no mercado. Para muita gente, ouvir as gravações do Hot Five no carro seria um caminho para a melancolia ou coisa pior. Se não toca no rádio ou se as revistas de música pop não apontam como "lançamento", trata-se, no máximo, de exotismo. Nunca prazer. Não é preciso dizer que esse comportamento é, para ficar barato, insensível.

Mas devo confessar que esperei ansiosamente por um lançamento.

Tenho uma desculpa: já decorei os outros seis discos desse cantor esplêndido. Tenho, agora, a oportunidade de viver seu amadurecimento. Ver como lidou com os ecos indianos, o gosto levemente latino, a afetação romântica e o cinismo beatnick.

E não fiquei decepcionado com esse sutil pós-modernista.

Lançada agorinha, na segunda semana de abril, Nightmoves (Concord Records) é um dos melhores discos de Kurt Elling. Os maneirismos sob controle, a voz aveludada e poderosa, os scats precisos, o repertório inusitado - inclusive por uma nova versão, até na letra!, de Body and Soul -, empurram o sétimo disco do cantor para o lado de obras-primas como This Time it's Love (1998), Man in the Air (2003) e Live in Chicago (2000), todos da Blue Note.

Veja: I like the sunrise, uma pérola raramente executada de Ellington (que faria aniversário anteontem), uma ousada versão de Tight, que conquistou um grammy com a maravilhosa Betty Carter em 1979, a belíssima Where are you, my love, e, entre outras, a minha favorita: Change partners/if you never come to me.

Eu realmente implico com uma insistência de Elling com a música brasileira. Luiza não parece permitir interpretações frescas ou interessantes além daquelas consagradas pelos próprios bossanovistas. Há poucas coisas mais chatas do que gringo cantando em português com aquele sotacão empolado.

Mas aí você ouve Elling, o pianista Laurence Hobgood, o guitarrista Guilherme Monteiro, Christian McBride e seu pizzicatto "cheio" no baixo, e tudo passa. Na terceira ou quarta vez que gira o disco, ecos de vozes indianas apimentam seu ouvido - Elling vata-pitta!

Eu eu espero devorar uma samosa com meu ramanuja chaval enquanto ouço "you are dancing with him since the music begin..."
XXXXXX
* Ah, a primeira foto é da Priscilla Cesar, no restaurante indiano que fica na Paula Gomes. A foto do Kurt Elling é do sr. Divulgação, um cara que está em todas, inclusive no site do cantor.