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Victor E. Folquening escreve, você lê e diz alguma coisa

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Local: Curitiba, Paraná, Brazil

Grupo de gestores para soluções estratégicas nas Faculdades Integradas do Brasil

quinta-feira, janeiro 18, 2007

UM DOS GÊMEOS SEMPRE É MAIS DOCE!


Aquela cidade não é pequena, mas conta com apenas um policial.
E ele representa toda a força de segurança e repressão.
Por outro lado, os habitantes se preocupam com um único criminoso. É um sujeito traiçoeiro, jamais preso por mais do que dez minutos. Mesmo assim, o tamanho do município quase pulveriza suas ações. É uma questão de azar histórico ser surpreendido pelo mau elemento, algo tão raro que chega mesmo a ser um privilégio. A não ser, é claro, nos casos de latrocínio, estupro, tortura gratuita, seqüestro e castração.
Há outro item curioso nessa pitoresca cena policial: detetive e bandido são gêmeos univitelinos. Iguais em tudo, até na curiosa cicatriz que cruza a sobrancelha direita. Ninguém sabe muito sobre o passado dos dois, mas aparentemente foram submetidos à mesma educação, o que os levou a adotar roupas parecidas, modos idênticos de se portar à mesa e preferências artísticas complementares – não obstante os caminhos morais divergentes, sem dúvida germinados no mais profundo de suas personalidades opostas.
O leitor já deve desconfiar que, na verdade, não se tratam de irmãos gêmeos, mas de uma mesma pessoa que se faz passar por seu duplo, buscando assim, messiânico, um equilíbrio entre o bem e o mal, o yin e o yang, o lumpullis abbos e o tannacklos brapta. Ou que se esmera em garantir o próprio emprego numa cidade isenta de criminalidade.
Engana-se! Realmente são gêmeos e, na eventualidade de um linchamento, no caso sempre possível de a população, armada de archotes e ancinhos, encurralar num beco os dois protagonistas e se debater na dúvida de quem seria o verdadeiro vilão, há apenas uma forma de verificar a identidade de um e outro.
O esperma do bandido tem gosto de batata doce.
Tanto que os gêmeos são conhecidos menos pelos seus nomes de batismo e mais pelos apelidos arquetípicos. Um deles é O Policial. O outro, Batata Doce. No cartaz de recompensa fixado no poste da pracinha centenária, eternamente balouçante ao vento como um envelope mal colado, podemos ler: “Procura-se Batata Doce. Em tudo se assemelha ao irmão, heróico homem da Lei, que, no entanto, goza como todas as pessoas normais”. É um curioso cartaz sem foto, já que as autoridades municipais temem a compreensiva confusão e preferem evitar o constrangimento de denunciar justamente o homem mais admirado da cidade.
Naquela tarde ensolarada, Batata Doce foi visto no telhado da casa episcopal. A moça apontou, logo depois de um grito estridente. Ele levantou a mão e acalmou os passantes: “Ei, sou eu, o Policial. Estou consertando o telhado do Bispo”. Lá embaixo todos riram e continuaram seus afazeres, não sem antes admirar a bela arquitetura mediterrânea do casarão, ainda mais alvo contra o céu de brigadeiro. Assim que a rua ficou tranqüila, o semblante simpático, tão simpático que até esconde a misteriosa cicatriz, se espremeu e tomou os contornos sensuais do gêmeo malvado. Mais uma telha e... Batata Doce conseguiu invadir o sótão da casa onde dorme o venerável religioso.
Adaptando-se ao escuro, pouco ajudado pela minúscula passagem no telhado, Batata Doce tateou ansioso. Tenso, pois seu coração está intumescido de rancor. O homem mais perigoso da cidade veio com um propósito sádico. Ele quer se vingar. E tem idéias muito cruéis de como dará cabo do padre que tantas vezes lhe condenou ao inferno. Sopra um mantra como uma correnteza sibilante: “Hoje você vai saber qual é o doce mais doce que batata doce, seu filho de uma puta”.
Desceu pela clarabóia do banheiro principal. Ágil como um mangusto, se esgueirou pelos móveis suntuosos, atravessou o corredor calçado pelo piso em mosaico e colocou-se de prontidão ao lado da porta do escritório. Pela janelinha de vidro canelado, reconheceu o vulto alto e empertigado do Bispo acomodando-se na escrivaninha espartana. Levou as mãos à braguilha e, como num gesto simbólico de tocaia, abriu o primeiro botão da calça de brim. Conhece bem esta porta – nos seus pesadelos, ela sempre emite a mesma música daqueles dias da infância, um rangido uniforme e agudo. O próprio Bispo, então Padre, ensinou na prática como evitar o som inconveniente: é só forçar para baixo, cuidando para que o estalido da lingüeta não denuncie a aventura.
Aqui está, suave, a revelação da porta, vencida até na ardilosa superfície escorregadia da maçaneta, incolor sob o ácido úrico deixado ao longo das décadas pelas mãos do santo homem.
Não há mais necessidade de tanto cuidado. O Bispo volta o perfil aquilino para trás e fixa o rosto limpo de expressão no corpo trêmulo de Batata Doce.
“Vim aqui porque agora é minha vez, padre”.
O peso no ombro do algoz revela um terceiro personagem.
“Você não vai fazer nada, irmão!”
O Policial, que estava no porão consertando o encanamento do Bispo, ouviu a voz de seu duplo e se apressou em salvar o dia.
“Não se meta, mano. Isso é entre eu e o canalha ali”.
“Nenhum trauma justifica teu comportamento!”
Batata Doce, quase sem mexer o quadril, girou o corpo com o punho fechado até afundar os dedos no abdômem do irmão. “O que você sabe sobre isso?” O Policial ergueu a face distorcida pela dor e, no impulso das pernas dobradas, lançou-se ao pescoço do gêmeo. Logo eram uma mistura de carne e panos, roupas iguais até no encontro imprevisto.
O Bispo foi até a janela e gritou por socorro. Por sorte, a pequena Filha do Prefeito passava por ali. A garota correu até o galpão, onde o pai fazia a sesta, e convenceu-o a intervir, apesar do horário inconveniente. Vestir-se era complicado, dada a urgência da situação e da peculiaridade do político: sofria de um gigantismo tão acentuado que não dispunha de muitas roupas apropriadas; daí seu costume de andar nu pela cidade - atração que os cidadãos já haviam assimilado, mas que ainda provocava a ira da ciumenta Filha.

Embora um tanto avexado pela severa repreensão da filha, o Prefeito andou pelado até a casa episcopal e tirou os gêmeos pela janela. Lá de cima, o Bispo explicou o ocorrido: “Eu estava prestes a ser assaltado por esse monstro, quando o irmão me salvou!”
Eis que nos deparamos com a situação sempre imaginada pelos moradores da cidade: qual é qual, agora que arfam, arranhados e arroxeados, na calçada? Imediatamente, ambos apontam o indicador para o outro e exclamam, em uníssono: “Prendam-no!”
Bem, bem. Sabemos a única forma de resolver o problema – e os gêmeos nunca deixaram de ter ciência disso, tanto que, antes de qualquer menção, já desabotoavam as calças e examinavam, curiosos, a boca murcha do Bispo, os pequenos lábios da Filha e a caverna misteriosa no rosto do Prefeito.
O Prefeito soltou um longo suspiro e, cuidadoso com sua voz tonitruante, explicou a novidade: “Não tive tempo de avisá-lo, Policial (o alcaide olhava estrategicamente para o vazio), mas acho que resolvemos o problema da identificação”. Assobiou e, em poucos segundos, um ajudante trazia, a muito custo, dois cães encrespados, rosnando feito motosserras enquanto cuspiam a saliva lubrificante de seus dentes afiados como mandíbulas de tubarão.
“Cães Experimentadores!”

segunda-feira, janeiro 08, 2007

ROCKY OMBRO NO HALL DA FAMA DOS DETETIVES!


Uma foto raríssima de Benett, conhecido por organizar piqueniques tão secretos que só eram encontrados por J.D. Salinger e Harold Pincher. A supreendente cena acima retratada aconteceu há pouco. O "ermitão do humor" mostra o print do Ombro na Zongo. Em fevereiro, O AVATAR vai dar o que falar na revista que faz o bico rachar!




Vemos aqui Rocky Ombro cercado de alguns de seus imitadores!
É uma escultura da Priscilla Cesar, homenageando o único detetive que realmente se comunica com o além. Cuidado, AVATAR! Essa pilha pode ser mortal!

sábado, janeiro 06, 2007

O MÉDICO BATEU NA ESPOSA E FOI EMBORA!


Ando empolgado com a leitura de Sherlock Holmes.

No meu aniversário, em novembro, quando ganhei os dois lindos volumes da Jorge Zahar, anunciados como "edição definitiva", com milhares (não é hipérbole!) de notas explicativas e especulativas, além de desenhos originais de Sidney Paget - os mesmos que ilustravam os contos da Strand Magazine na última década do século 19 - havia mais de 15 anos que não me dedicava ao "maior detetive de todos os tempos".

Recentemente, eu li um conto de horror do Arthur Conan Doyle, numa coletânea da Companhia das Letras, mas confesso que desconfiava do sabor que Holmes me traria.

Sherlock Holmes foi uma das minhas primeiras e mais impressivas influências.

É bem possível que eu tenha escolhido o jornalismo, em parte, porque exercitar o cérebro de forma tão analítica, mergulhar em mistérios arrepiantes, perigo eminente, flertar com o medo e promover a justiça, tudo isso parecia mais improvável através de um escritório de detetive particular.

Além do mais, sou incapaz de fumar cachimbo e hoje compreendo que um sobretudo de tweed seria um erro lamentável no calor dos trópicos.

Mesmo assim, a nostalgia se misturava com um pouco de preguiça quando pensava nas aventuras de Holmes. Agora percebo exatamente o motivo. Minha leitura, no começo da adolescência, dependia das edições velhas, baratas e mal conservadas disponíveis na esforçada, mas sôfrega, biblioteca pública de Ponta Grossa.

As letras miudinhas, um certo mal gosto no uso dos itálicos e a encardenação frouxa me fizeram confundir o andamento da leitura com seu manuseio. Então, nessa última década e meia, toda vez que me animava para rever Doyle, um preconceito tapava meus olhos: literatura de mistério do século 19 soa mais redundante que excitante, mais pretensiosa do que envolvente, mais ingênua do que desafiante.

Non sense. Agora, com essas caprichadas páginas impressas com Fairfield nas minhas mãos - e talvez dotado de mais maturidade -, percebo que os contos de Sherlock Holmes e Watson são leves como pluma. Lêem-se com rapidez estonteante. Comecei a examiná-los despreocupado e quando vi, em dois dias, quase metade das 495 páginas do primeiro volume já haviam sido desvirginadas.

Veja bem, não sou crítico literário nem tenho a intenção de sê-lo, mas sinto que Doyle alcançou leveza e fluência que colocam Holmes em vantagem quanto ao seu próprio inspirador, o August Dupin criado por Poe para Os Assassinatos da Rua Morgue.

**

Então.

Não dá para ler e passar impune.

Decidi botar meu senso de observação para funcionar e saí por aí "deduzindo".

Hoje, no supermercado, uma mulher beirando os 30 atendeu, tensa, ao telefone celular:

"Quando cheguei, ele não estava mais! Liguei para lá e aquela secretária idiota, com aquela voz fininha, veio com o Clínica Doutor Herr, boa tarde! Mas eu sei que ele não volta, mãe, não adianta. Depois que ele fez comigo... o problema é que..."

A conexão parece ter caído e a garota fechou o aparelho, irritada.

Em seguida, acrescentou quase uma dúzia de bananas à sua modesta cesta. Deu um passo, olhou para o vazio com seu olho bom, levou a mão ao outro, inchado, e voltou para o estande. Trocou por uma penca bem menor, não sem antes dar um suspiro melancólico.

Eu lustrava uma maçã a dois passos. Ela derrubou uma parte das bananas e eu me apressei para ajudá-la.

"Obrigada", disse num sopro de voz.

Sorri e, um segundo depois...

"Isso sempre acontecia na minha casa. Saem, mas, no final, voltam".

Ela ficou estupefacta... Olhou para as bananas, confusa.

"Como assim? quem volta?"

"Alemães. São durões. Às vezes até violentos". Fiz menção com o nariz em direção ao olho machucado. "Meu avô era alemão. Bravo... Médicos, então, são piores!"

Ela franziu o cenho. Tateou a cesta como quem protege a carteira: apalpou o pacote de absorvente, um único pepino e um par de pilhas. Acompanhei os dedos e apresentei minha conclusão:

"Você se sente solitária, não é?"

A mulher abriu a boca e deu um passo para trás. Espiou sobre o meu ombro e viu alguém.

"Cledir!"

O homem se aproximava, curioso, abotoando o jaleco branco.

"Dr. Herr, eu presumo".

"Ah", ele disse, "não deu tempo nem de tirar o uniforme..."

"Cledir, vamos embora daqui".

Ela deu o braço para o rapaz e saiu cochichando.

Mais tarde, quando saía do supermercado, vi a mulher se ajeitando numa cadeira do salão de cabelereiros em frente. Lá do fundo, repentinamente, o suposto marido, o médico de sobrenome germânico, veio em sua direção. Não sou dado a testemunhar quebra-pau, mas me aproximei da porta para confirmar minhas brilhantes deduções sobre a separação intempestiva do casal.

"Cledir, você destruiu meu cabelo ontem! Olha para mim, como vou aparecer na formatura? Tudo acontece comigo no mesmo dia: inflamação no olho, dor de barriga, caminhos de rato por toda a minha cabeça... por que você fez isso comigo? O que falta acontecer? Blá, blá, blá..."

Desconsolado, coloquei a mão na porta para abaixar a cabeça e lamentar minha tolice. Aí li o ridículo nome do salão de beleza: DOUTOR HAIR. CLÍNICA DE ESTÉTICA CAPILAR.

Lá de dentro, a mulher desviou o olho raivoso do pobre Cledir e me encontrou na calçada. Abriu um berreiro.

"Olha lá o tarado! Ele tá me seguindo!"

Elementar. Esse tipo de coisa só acontece comigo.