No dia 18 de setembro, Sonny Rollins gravará um disco ao vivo no Carnegie Hall. Será o aniversário de 50 anos de sua primeira aparição no famoso palco novaiorquino. Rollins, apelidado de Saxophone Colossus por causa dos 2 metros de altura e, por conseqüência, do esplêndido LP “homônimo” de 1956, terá, então, 77 anos.
77 anos!
Pianistas velhinhos na ativa são até freqüentes, mas saxofonistas! E não qualquer tipo de soprador. O som de Rollins é associado com robustez, agressividade, cascata de notas graves hipnotizando platéia e demais músicos que tiveram e têm o privilégio (e a pressão!) de tocar com ele.
Aos 70, 71, 76 anos, Rollins não é mais, naturalmente, o mesmo monstro impressionante dos anos 50, 60 e 70. É apenas o monstro impressionante.
Há tempo que venho ensaiando falar desses últimos discos maravilhosos de Rollins. Esperava um gancho, como esse concerto aí, em setembro, quando normalmente coisas esplêndidas acontecem.
Volte a essa palavra, “hipnotizante”. Não sei se tem a ver com você, mas é certo que vibra em mim. Nós desligamos, concentrados nas tarefas mundanas, enquanto o calipso Salvador preenche a sala, o carro, o escritório. Você precisa trabalhar e até se concentra, mas aquele ronco contínuo entra por suas orelhas – não é pelos ouvidos, não mesmo, é através da pele e a orelha vira uma antena que tem a propriedade de despertar seu cérebro – chamando sua atenção até que nada mais reste além do fôlego de Sonny Rollins.
Salvador é a primeira música de This is What I Do, de 2000, quando ainda quase podíamos chamar o Colosso de “sexagenário” como um adjetivo de espanto. O disco todo é uma delícia e essa qualidade me faz indicar o álbum como um dos melhores de toda a longa e festejada carreira de Rollins. Não é pouco, pois o melhor de Rollins frequentemente faz parte do melhor do jazz.
Veja que um adjetivo como “delícia” expõe uma poética. Não sou nem um pouco amigo da afetação – tanto que é difícil aceitar Toots Thieleman ou Bob McFerrin com seus tremeliques de “beleza” – mas entre a inclinação intelectual e a emocional, ainda fico com a segunda. Muita gente torceria o nariz para um lugar tão alto no pódio para This Is What I Do, pois não se enxerga nele um claro manifesto “conceitual”, como vimos no Saxophone Colossus ou em Freedom Suíte. Mas convenhamos que, aos 70, Sonny tornou-se resultado da própria música, produzindo uma espécie de meta-discurso preciso e audacioso. Se Colossus impõe uma nova forma de mudança nos acordes com Moritat e Blue Seven, por exemplo, This Is What I Do é o ápice da maturidade, da mistura do som e da vida extraodinária de seu compositor.
Nos anos 60, depois de ter abandonado os shows e as gravações por dois anos para tocar durante as madrugadas em uma ponte em Manhattan, Sonny voltou a aceitar o estúdio porque precisava de dinheiro para arrumar os dentes (e gravou o excelente The Bridge, com Jim Hall, que inclui a God Bless the Child definitiva).
Nos 70, consolidou sua independência da mídia (e do mundo, para dizer a verdade). Max Gordon, fundador do clube Village Vanguard, diz que viu Sonny abandonar um solo no meio da apresentação e ir embora, pela porta da frente, porque se arrependera de contratar determinado trompetista. De receber para tocar e não aparecer e, para compensar, tocar por cinco horas seguidas e nunca voltar para pegar o cachê.
Daí o lastro histórico o acompanha: em setembro de 2001, quatro dias depois do aniversário de 71 anos, ouviu um estrondo e assistiu da janela de seu apartamento o colapso do World Trade Center e, ainda assim, viajou para o show que se tornou um disco esplêndido (Without a Song: the 09/11 Concert).
No ano passado, um novo disco com a base dos últimos dois: o sobrinho Clifford Anderson continua com solos irrepreensíveis no trombone, o pianista Stephen Scott foi substituído pelo guitarrista Bobby Brom, Bob Cranshaw mantém-se como fiel escudeiro no baixo elétrico e Joe Corselo faz o papel que cabia ao baterista Perry Wilson ou a Jack DeJohnette.
A música de Sonny, Please é sublime, também representada num calipso, desta vez mais soflty, que é Park Palace Parade. Uma obra que estréia a própria gravadora do plenamente septuagenário, quase octagenário Sonny Rollins.
Meu sortudo amigo Maycon Henneberg estará em férias, na Maçã, justamente durante a semana do Carnegie Hall. Se conseguir entrar no concerto, viverá um setembro intenso como aquele de 2001, que Rollins viu assustado pela janela. Mas o som colossal será, dessa vez, de beleza indiscutível.
Meus favoritos do Sonny:
Saxofone Colossus (Original Jazz Classics, 1956)
Tour de Force (Prestige, 1956)
A Night at the Village Vanguard (Blue Note, 1957)
Newk’s Time (Blue Note, 1957)
The Bridge (RCA, 1962)
Alfie (1966)
East Broadway Rundown (Impulse, 1966)
Global Warming (Milestone, 1998)
This is What I Do (Milestone, 2000)
Without a Song (Milestone, 2001 – mas lançado só em 2005)
Sonny, Please (Doxy, 2006).
E, claro, as gravações com o quinteto de Clifford Brown-Max Roach, para muitos o melhor grupo de jazz de todos os tempos.