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Victor E. Folquening escreve, você lê e diz alguma coisa

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domingo, julho 08, 2007

SEM LIMONADA SUÍÇA NO ALTO ARAGUAIA!



No primeiro texto de Ébano, Ryszard Kapuscinski conta seu début em Gana como um choque. Antigamente, ele escreveu, o viajante se acostumava pouco a pouco com a mudança da paisagem até chegar ao destino. Hoje (no final dos anos 50), você está sob o céu plúmbeo de Londres e, poucas horas depois, desfruta do sol inclemente da África.
O avião ajudou a abreviar a lenta adaptação aos costumes, paisagens, gastronomias e climas com as quais o desbravador sempre lidou em sua jornada.
Mas será que o choque, na metade final dessa primeira década do século 21, ainda existe?
Passei os últimos dias em Alto Araguaia, cidade matogrossense com pouco mais de 12 mil habitantes, logo na divisa com Goiás. É um lugar que abandonou o fuso horário oficial do Mato Grosso e assumiu o de Brasília, uma hora mais tarde, tão gêmea que é da goiana Santa Rita do Araguaia.
É uma cidade que tem a guariroba, espécie de palmito amargo, como especiaria. Aqui podemos beber o afrodisíaco canjinjin, pinga de mel, gengibre, canela e outros mistérios, que é importada de Vila Bela da Santíssima Trindade, último quilombo urbano do centro-oeste.
A plantação que mais chamou a atenção no meu caminho do aeroporto de Rondonópolis até Alto Araguaia é a de algodão, tapete branco dominante no suave barranco sob o horizonte.
E não há limonada suíça naquela parte do Mato Grosso.
Fora isso, esqueça os jacarés atravessando a sala de aula ou cantores pantaneiros interrompendo uma palestra para “dar um recado a essa gente boa”, levando a onça pela coleira.
A mídia nos aproxima e talvez nos banalize, poderíamos concluir.
Mas talvez haja algo de valioso nessa homogenização cultural – nos pede atenção àquilo que realmente caracteriza as representações de mundo em cada comunidade.
O campus da Universidade do Estado do Mato Grosso em Alto Araguaia é uma terra de gente diversa, pisante no chão colorido e irregular do antigo seminário. Tem migrante de toda a parte da Região Centro Oeste e professores que vieram de São Paulo, Paraná, Minas Gerais e até Cuba! Fábio Bidu, jovem professor de Antropologia e meu anfitrião, passou do riso fácil ao ar melancólico nos últimos minutos de nossa estadia. Lembrou-se que, nessas férias, não vai a Cascavel visitar a família.

Ele, a chefe do departamento de Comunicação Maristela, Leandro, Aline e outros educadores lutam há um ano e meio para dar fôlego ao curso de Jornalismo, às vezes longe da balaustrada verde que leva brisa para o coordenador do campus e dá vista para a cidade.
A seriedade com que receberam a mim e ao professor Gerson Martins, presidente do Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo (http://www.gersonmartins.jor.br/), mostrou como estão empenhados na velha e boa máxima humanista dos cursos de Comunicação: querem formar indivíduos com forte compromisso social.
Gerson veio do Rio Grande do Norte naturalmente desconfiado. Como é avaliador do MEC, não consegue se sentir tranqüilo com mais uma escola de Jornalismo entre as centenas do país, ainda mais em uma região cuja fonte de emprego é tão mingüada quanto limonada suíça. Mas saiu seduzido pela generosidade e dedicação dos alunos e professores.
Depois das palestras do Colóquio, fomos passear e comer na cidade. Em alguns minutos e com um pouco de atenção, você percebe o quanto cada lugar do Brasil é distinto do outro. Dois mendigos nos abordaram, na calçada, e pediram “um trocado para tomar pinga”. Foram contemplados com um, dois reais, alegremente oferecidos pelos jovens que se embriagavam de Guaraná Mineirinho.
A conversa sobre sexo é deslavada, sem meandros metafóricos, e o espaço em que cada um vive parece eternamente aberto para o visitante. Também não há distância entre professores e alunos, de modo que o evangélico cantador Isaac nos acompanhou o tempo todo com seu violão, enquanto Erotides, dona de garganta privilegiada e programa diário na emissora de rádio local, dava a segunda voz num desfiar infinito das canções oitentistas do Roupa Nova. “Dona, só você me fascina...

Aliás, mesmo com seus 12 mil habitantes, acesso precário a internet e, segundo pesquisa de 2005, o pior ensino público de todo o Estado, Alto Araguaia tem uma vontade louca de produzir comunicação.
Há uma reprodutora local da Record que leva uma hora e meia de programação própria. No noticiário de quinta, os assuntos principais eram a adaptação das calçadas para os cadeirantes e uma longa fala do delegado explicando que nada aconteceu na esfera policial durante os últimos dias. “Pato atravessando a rua é destaque”, diz o Fábio. “Aqui a gente tem que fabricar notícia”, explica a Tina, que é dona da TV e aluna de Jornalismo na Unemat.
Um dos alunos, Alphe, me mostrou uma resma de poemas bucólicos que ele deve publicar ainda esse ano, com ajuda da prefeitura (O irreal não havia/ A tecnologia não brincava ali com as pessoas...). Outro, o Ivon Ribeiro, tem um esforçado site de notícias (http://jornalnoticiaagora.com.br/principal/).
A Lucimara Pereira se empenha em criar grupos de estudos raciais. A professora Aline, que marejou os olhos ao ver a foto do Ariano Suassuna declamando com o Grutun!, produz um grupo de teatro. O professor Leandro Wick, no corredor do campus aí na foto, sua a camisa e divide o tempo da noiva Andréia para articular um evento atrás do outro. Ele quer que a gente volte em novembro.

Eu mal posso esperar.

7 Comments:

Blogger Unknown said...

Li, reli e amei!!!
Parabéns!!!

Andreia

10/7/07 20:36  
Anonymous Anônimo said...

Caríssimo Victor:
Parabéns pela forma magistral com que vc alude para a terra araguaiense onde vc tem deixado mta saudade.
Vc com sua maestria encantou todo o público que aplaudiu de pé com belos sorissos sua fala.
Espero que tenhamos a oportunidade de receber vc de novo aqui neste paraíso.
Com meu fraterno abraço.
Estamos com saudades.
Fábio Bidu

11/7/07 15:57  
Blogger Escritório de Gestão Integrada said...

Andréia e Fábio: eu é que agradeço. É claro que não estava em Alto Araguaia como repórter, mas todo mundo toma cuidado quando um jornalista sai por aí fazendo perguntas e fotografando tudo. Mesmo assim, vocês me receberam com uma franqueza formidável, num espírito de cooperação crítica que não é tão fácil assim de achar.
Espero vocês em Curitiba!
Felicidades e parabéns pelo trabalho.

12/7/07 10:16  
Blogger Katy Mary said...

Mato Grosso é minha terra, onde praticamente só nasci. Não exatamente em Alto Araguaia, pois vim dos lados do Sul, mas mesmo assim consegui, com a sua bela narrativa, relembrar minha infância e época de férias.O cheiro da terra, o vento que no final da tarde balançava os pés de manga e goiaba e o céu mais deslumbrante do planeta. Que bom que você conheceu este "canto" do Brasil Victor. Tenho certeza de que um dia vai querer voltar e explorar um pouco mais este lugar de gente sorridente :)

21/7/07 22:06  
Blogger Escritório de Gestão Integrada said...

Ei, Katy, eu realmente curti. O céu deslumbrante e o vento do final da tarde... esse ar bucólico realmente é encantador. Vou voltar, com certeza!

23/7/07 02:38  
Blogger Unknown said...

de verdade!

VC ESTÁ DE PARABÉNS!!!

14/5/08 14:48  
Blogger QUEILA CARMO said...

OI...
talves como muitos dizem a palavra parabéns.. seria o minímo para alguém ...que escreve com organização as palavras tomando cuidado com cada palavra....considerooo vc um genio de muito talento e sabedoria espero ter a oportunidade te conhece-lo pessoalmente...
muito sucesso e realização em sua vida...permaneça sempre assim... com esse espirito tranzparente de saber o que escreve...bjus...

18/8/08 11:27  

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