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Grupo de gestores para soluções estratégicas nas Faculdades Integradas do Brasil

quinta-feira, novembro 16, 2006

ESSA É UM TANTO PROIBITIVA PARA NEOPENTECOSTAIS!


Numa quinta-feira de outubro, registramos uma imagem que diz algo sobre o sincretismo religioso no Sul do país.
Na mesa de cerimônia no terreiro do Caboclo Arruda, perto do Tarumã, várias estátuas decoravam os trabalhos conduzidos pelo Pai James Edward, o Jimmy – um homem de meia-idade, tido por “muito conservador” pelos companheiros de lida, temperamento claramente sugerido pelos severos olhos azuis e pela sua resistência a adotar atabaques no serviço religioso da casa.
Jesus, ou Oxalá, é o ícone principal das mesas de Umbanda, mas no mesmo ambiente temos Iemanjá, um Preto Velho, São Jorge, representações de ciganos, índios e boiadeiros. Seguindo as imagens, chegamos a uma popular Nossa Senhora Aparecida, que democraticamente divide o espaço com Cosme e Damião. E, no final, o Nemo.
Sim, Nemo, o peixe que acabou no aquário de um dentista na Austrália.
Espere! É aqui que o sensacionalista se esbalda. Com a matéria desse jeito, o leitor certamente concluirá que “agora não falta mais nada”: se o rito for africano, rezaremos para o Rei Leão?
Imagino que ninguém idolatra ou muito menos “recebe” o peixinho Nemo. Ele estava ali para agradar as entidades infantis representadas por Cosme e Damião.
Mas também a menção não é tão gratuita.
Ontem eu, Adalgisa e Roberval, meus alunos de Documentário, além do meu irmão João Felipe, registramos uma cerimônia comemorativa aos 98 anos de Umbanda no Brasil. Quinze de novembro é também Dia Municipal da Umbanda, e cinco dos cerca de 2500 terreiros de Curitiba realizaram uma gira coletiva no Parque da Barreirinha.
As imagens vêm sendo captadas há mais de mês – e foi o Rober que “achou” o travelling que culmina com o Nemo.
Mas os próprios personagens encarnados, digamos assim, formam um presépio dessa diversidade pós-moderna.
Do outro lado da cidade, bem longe de onde o pai de santo Marco Boing, um louro ex-jogador de futebol de salão, prepara a casa para comemorar o aniversário de casamento com a Fátima, raro caso de “aparelho” que recebe entidades informes e silva como uma sereia, um terreiro do Bairro Água Verde é recanto favorito de médiuns jovens e descolados.
Isso já seria interessante, pois o Candomblé, que guarda algumas semelhanças com a Umbanda, sequer tolera um filho de santo com menos de 14 anos de dedicação religiosa. Invariavelmente, um líder candomblista é idoso. Sérgio, nosso pai de santo teen, tem 22 anos e conduz um grupo cuja média de idade não passa de 24: “Meu corpo é jovem, mas o espírito é eterno”.
Quem freqüenta um terreiro e vê o interesse das crianças, principalmente, não tem dúvidas do apelo desses ritos de raízes negras. Opostos ao kardecismo, corrente racionalista do espiritismo, as religiões afro-brasileiras são cheias de música, coloridos elementos cênicos, variedade instigante de símbolos, dança, erotismo, abraços e uma barulhenta democracia de gestos. A coisa toda pulsa. Sérgio não nega que o suor é combustível da paixão que sente pela Umbanda: “Eu abomino o silêncio”.
De todos os médiuns participantes da gira, Sérgio é certamente o mais janota. Há pelo menos uma dúzia de guias adornando seu pescoço, cada uma presenteada por uma entidade. Essa ele ganhou de um Preto Velho, aquela vermelha e preta foi do seu Exu protetor. Há um colar maior, verde, que atravessa o peito e representa o Caboclo Pena Azul, “padroeiro” do seu terreiro. E esse laço verde na cintura? “Eu uso porque é bonito. E Umbanda é alegria”.
Conversador, cuidadoso com o gel que desenha o penteado negro, e orgulhoso do irmão, parecidíssimo, que integra a curimba da sessão – grupo responsável pelos atabaques e por puxar os pontos de canto –, Sérgio é um típico... sansei! Leia o sobrenome: Kunio Kawanawi.
Como bom japonês, se formou em Engenharia Eletrônica e é professor de Física. Pacientemente, explicou para mim que todos os elétrons produzem energia e que para pensar, precisamos de um movimento de elétrons. Daí, a força do pensamento não é bem uma força de expressão...
xx
Marco Boing, que foi nosso anfitrião nas filmagens, gosta de dizer que a Umbanda é democrática.
Se “democracia” é um conceito difícil de confirmar em qualquer caso, não podemos negar a diversidade.
Quantos japoneses você encontraria numa festa de Umbanda? Ontem haviam três entre as quase 50 pessoas que participaram das giras.
E quantos negros?
Apenas cinco. Duas senhoras, uma mãe e seus dois filhos.
Vejamos essa mãe.
Já havíamos encontrado Vera Borges na Associação Espiritualista Mensageiros de Aruanda, terreiro conhecido pela sigla, Assema, e liderado por Boing. Ela e o filho, Withmarlus, de 12 anos, eram os únicos negros presentes naquele sábado. A família mora com a avó evangélica, em frente, e Vera me disse ontem que passou um ano escutando os atabaques do terreiro até que um dia decidiu vencer a timidez e atravessar a rua.
Ela é divorciada e, para sustentar Whitmarlus e a filha Pâmela, de 10 anos, trabalha como lavadora de carros. “A gente precisa se virar e então aproveita o que aparece”.
Whitmarlus é aluno dedicado na escola e ainda freqüenta a Guarda Mirim. Seu sonho é ser policial. “Para cuidar das pessoas”. Ele quer fazer como o Exu Sete Cruzes, que protege a Assema dos espíritos ruins.
Vera faz 33 anos no Natal. Parou de estudar no segundo grau, mas ainda espera, um dia, ser bióloga e fazer isso que ela faz. Ela é a Adalgisa, que filmava a entrevista. Pedimos então a Vera que registrasse parte da cerimônia. Alguns minutos depois, com a gira a plenos pulmões, e Whitmarlus engrossando os percussionistas da curimba, a garota se esmerava em planos de detalhe das mãos, pés e olhos dos celebrantes. Mais um pouco e aliviei-lhe o peso da câmera: visivelmente, Vera se envolvia com o frenesi de palmas e repiques do adejá. Com a maior felicidade, passou a incorporar as entidades.
Do outro lado do salão, branco e sorridente, o prestigiado professor universitário Celso Klammer, vestido com um guarda-pó branco, não se acanhava em dançar, abraçar os colegas e receber os espíritos. Celso é disputado nos cursos do Centro Universitário Positivo e chegou a ser meu colega, responsável pela sisuda cadeira de Metodologia Científica em Jornalismo. “Há um maravilhoso clima de fraternidade”, descreve com a voz em tom cuidadosamente gentil.
ll
O brilho do Dia da Umbanda no Parque da Barreirinha só foi um pouco ofuscado por causa de uma ausência. Todos contavam com a participação de Norberto Peixoto, escritor e dirigente da tradicional Choupana Caboclo Pery, de Porto Alegre.
Marco Boing começou e terminou os trabalhos explicando o motivo do cancelamento da ilustre visita: “São forças que não podemos controlar”.
Atraso de pousos e decolagens nos aeroportos.

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Muito bom. Vc já leu a revista Piauúi?? Vc deveria escrever la. Os artigos são bem do estilo.

16/11/06 13:51  
Anonymous Anônimo said...

Tinha queijos e poemas por lá também? Só pode!

16/11/06 18:14  
Anonymous Anônimo said...

Ei! Fui em um terreiro sábado passado também (ainda bem que não sou neopentecostal, pois não poderia ir no terreiro nem ler seu blog). Foi interessante.
"Ogun, Queijos e Poemas" dá um bom nome pra um fast-food, não? (Ou Iemanjá e seus filhinhos pra uma peixaria). Eu sabia que algo envolvendo queijos e vinhos só poderia vir de um subversivo.
Existe uma diferença interessante entre candomblé e umbanda. Enquanto na umbanda o objeto de culto é o Orixá, no candomblé é a força que ele representa. Digamos que o adepto de candmblé cultua as forças da natureza. Acho que é mais ou menos isso.
Abraço.

16/11/06 20:19  
Blogger Alina said...

2.500!

19/11/06 09:21  
Blogger Escritório de Gestão Integrada said...

Ei, obrigado. Carlo, leio sim. A revista é realmente divertida e parece promissora.
Bianca: eu não lembro direito, mas o Jean deve ter a memória bem "fresca" a respeito. Não seriam "queijos, vinhos e poemas"?
Thiago, na minha opinião, a maior diferença é uma certa suavização dos rituais, por isso que os brancos classe média se sentem mais à vontade na Umbanda. No Candomblé de raiz, por exemplo, os cantos são em yorubá e há sacrifício de animais.
Alina, o número é das próprias organizações. A maior parte dos terreiros não tem alvará e, muitas vezes, congrega umas oito ou dez pessoas, apenas. Ainda nessa semana eu vou postar uma repo sobre um terreiro que foi incendiado no dia 13 de agosto, dia da Quimbanda (ou "ala esquerda"). Terei mais dados.

20/11/06 12:39  
Blogger Jean-Philip said...

queijos, vinhos e poemas...

20/11/06 22:39  

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