O AVATAR # 12! Nova temporada das aventuras de Rocky Ombro!
Episódio de hoje: "Doce como a baba de um dragão de komodo".
Ombro deu um grito. Quer dizer, não bem um grito, foi mais uma interjeição. “Rá!”. O suficiente para Elizabete acordar e escrever na bolha OTSUS UEQ. “Pobrezinha”, disse Rocky, acariciando a superfície do plástico, “ainda está grogue de sono”. Depois leu metade do artigo assinado por advogado, para devolver a filha ao mundo dos sonhos, e se perdeu mais uma vez nos próprios pensamentos: “Como alguém morto inaugura uma boate?”
Olhou de novo a foto que ocupava três quartos da coluna social. Tinha algo ali que não parecia certo.
O letreiro em neon, atrás de uma palmeira de plástico. As duas garotas loiras - a da esquerda era, sem dúvida, Berga Motta, embora sua última plástica tenha causado algumas confusões nas lojas de eletrodomésticos.
A mulher da direita, Juraci Alecsandra West, também era inconfundível: o sorriso, as sobrancelhas cuidadosamente aparadas, o queixo arredondado das italianas, a franja lisa sombreando os olhos levemente orientais e um buraco no lugar do nariz.
Ombro notou que o brinco esquerdo de Juraci era curioso. Parecia um oito... ou seria macarrão espiralado... ou um pedaço de taenia saginata...
Quando estava prestes a desistir, um cão latiu no final da rua do Tatu Esperto. Um ouvido destreinado entenderia “au au auooooouuu”, mas Ombro ouve o invisível. “Aulhe de nouvuuuuuu” foi o que interpretou.
Então desceu até o porão e recuperou a máquina de ampliação fotográfica utilizada pelo inspetor Deckard num caso com replicantes. Montada na mesa de centro da sala, a geringonça justificou a campanha liderada pelo Departamento de Polícia contra o photoshop. Ali estava: o “brinco” nem se aproximava de comida ou lombriga. Era um número em perspectiva, colado ao fundo da paisagem: 80.1.
Amanheceu e Rocky ainda virava de um lado para outro, procurando uma posição que fosse tão confortável quanto descobrir o que aquele número significava. Como nada lhe ocorreu, decidiu sair da mesa de centro e ir para a cama. Inútil. Sentia-se mais desconfortável do que um faquir numa piscina de bolinhas. “Vou dar uma volta”. Vestiu o sobretudo herdado de Peter Folk, pegou as chaves e tirou a ambulância reformada da garagem.
Ao dobrar a esquina, ligou o rádio na esperança de, pelo menos, adormecer um pouco ao volante.
“Eu vou contar uma história
Vejam só, que legal
Apareceu na cozinha
Rostos de gente morta
Que horrível, que nojo, vou fugir daqui”.
Ombro se espantou com a qualidade da letra e esperou por duas canções até que o locutor descrevesse o bloco.“Essa e muito mais, você escuta na 70.5, a rádio que só toca assombração...”
“Bah! Romeniatown”, resmungou o detetive, “Vamos ver o que tem aqui...”
“... Hoje é o Dia da Cura do Berne aqui na 70.6, a rádio que Jesus escuta no céu”.
Mais uma empurradinha do dial:
“Queria oferecer para a Lidiânia lá da Cachoeirinha dos Curupiras e queria dizer que escuto a 70.7 o dia todo...”
“Amanhã de manhã, no mesmo horário, aqui na 70.8...”
“70.9, a rádio que repete mais!”
“Quem gosta de britadeira, só si-si-sintoniza a 80.0”
“80.2, mais zumbido no seu enxame...”
A essa altura, Ombro estava tão irritado que... espere! Procurou as últimas três freqüências e ouviu atentamente. Havia uma emissora ocupando cada palmo daquele latifúndio sonoro. Menos onde a haste vermelha de seu Autorádio Samburá, que veio com a ambulância, marcava 80.1. Apenas estática.
E um mistério cuja rocambolesca resolução Ombro jamais esqueceria.
*(continua)
Distraído, o detetive Rocky Ombro leu todo o primeiro caderno, passou pelas
notícias sobre comida no suplemento de artes, mencionou os resultados do handebol
infanto-juvenil da seção de esportes e só percebeu que Elizabete já havia
dormido quando se espantou com a popular coluna social de Dona Berga Motta, o Lagarteando. Era uma edição velha do jornal Noticiário Redigido.
Velha, mas nem tanto assim. Lá estava o empresário da noite, ex-modelo,
ex-celebridade instantânea e ex-presidiário Jaime Donho. A coisa toda era
trivial. Posava ao lado de quatro fileiras de dentes bem escovados, mas
amarelos. O letreiro ao fundo confirmava a legenda: “Chegando de Bombinhas, onde
curtiu um findi com a namo Juraci (ao lado), o bon vivant Donho inaugurou ontem
a Boate dos Sonhos em Romeniatown”. Isso foi sábado passado, dia mundial das
inaugurações. O problema é que Donho morreu uma semana antes.
Ombro deu um grito. Quer dizer, não bem um grito, foi mais uma interjeição. “Rá!”. O suficiente para Elizabete acordar e escrever na bolha OTSUS UEQ. “Pobrezinha”, disse Rocky, acariciando a superfície do plástico, “ainda está grogue de sono”. Depois leu metade do artigo assinado por advogado, para devolver a filha ao mundo dos sonhos, e se perdeu mais uma vez nos próprios pensamentos: “Como alguém morto inaugura uma boate?”
Olhou de novo a foto que ocupava três quartos da coluna social. Tinha algo ali que não parecia certo.
O letreiro em neon, atrás de uma palmeira de plástico. As duas garotas loiras - a da esquerda era, sem dúvida, Berga Motta, embora sua última plástica tenha causado algumas confusões nas lojas de eletrodomésticos.
A mulher da direita, Juraci Alecsandra West, também era inconfundível: o sorriso, as sobrancelhas cuidadosamente aparadas, o queixo arredondado das italianas, a franja lisa sombreando os olhos levemente orientais e um buraco no lugar do nariz.
Ombro notou que o brinco esquerdo de Juraci era curioso. Parecia um oito... ou seria macarrão espiralado... ou um pedaço de taenia saginata...
Quando estava prestes a desistir, um cão latiu no final da rua do Tatu Esperto. Um ouvido destreinado entenderia “au au auooooouuu”, mas Ombro ouve o invisível. “Aulhe de nouvuuuuuu” foi o que interpretou.
Então desceu até o porão e recuperou a máquina de ampliação fotográfica utilizada pelo inspetor Deckard num caso com replicantes. Montada na mesa de centro da sala, a geringonça justificou a campanha liderada pelo Departamento de Polícia contra o photoshop. Ali estava: o “brinco” nem se aproximava de comida ou lombriga. Era um número em perspectiva, colado ao fundo da paisagem: 80.1.
Amanheceu e Rocky ainda virava de um lado para outro, procurando uma posição que fosse tão confortável quanto descobrir o que aquele número significava. Como nada lhe ocorreu, decidiu sair da mesa de centro e ir para a cama. Inútil. Sentia-se mais desconfortável do que um faquir numa piscina de bolinhas. “Vou dar uma volta”. Vestiu o sobretudo herdado de Peter Folk, pegou as chaves e tirou a ambulância reformada da garagem.
Ao dobrar a esquina, ligou o rádio na esperança de, pelo menos, adormecer um pouco ao volante.
“Eu vou contar uma história
Vejam só, que legal
Apareceu na cozinha
Rostos de gente morta
Que horrível, que nojo, vou fugir daqui”.
Ombro se espantou com a qualidade da letra e esperou por duas canções até que o locutor descrevesse o bloco.“Essa e muito mais, você escuta na 70.5, a rádio que só toca assombração...”
“Bah! Romeniatown”, resmungou o detetive, “Vamos ver o que tem aqui...”
“... Hoje é o Dia da Cura do Berne aqui na 70.6, a rádio que Jesus escuta no céu”.
Mais uma empurradinha do dial:
“Queria oferecer para a Lidiânia lá da Cachoeirinha dos Curupiras e queria dizer que escuto a 70.7 o dia todo...”
“Amanhã de manhã, no mesmo horário, aqui na 70.8...”
“70.9, a rádio que repete mais!”
“Quem gosta de britadeira, só si-si-sintoniza a 80.0”
“80.2, mais zumbido no seu enxame...”
A essa altura, Ombro estava tão irritado que... espere! Procurou as últimas três freqüências e ouviu atentamente. Havia uma emissora ocupando cada palmo daquele latifúndio sonoro. Menos onde a haste vermelha de seu Autorádio Samburá, que veio com a ambulância, marcava 80.1. Apenas estática.
E um mistério cuja rocambolesca resolução Ombro jamais esqueceria.
*(continua)