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sábado, janeiro 06, 2007

O MÉDICO BATEU NA ESPOSA E FOI EMBORA!


Ando empolgado com a leitura de Sherlock Holmes.

No meu aniversário, em novembro, quando ganhei os dois lindos volumes da Jorge Zahar, anunciados como "edição definitiva", com milhares (não é hipérbole!) de notas explicativas e especulativas, além de desenhos originais de Sidney Paget - os mesmos que ilustravam os contos da Strand Magazine na última década do século 19 - havia mais de 15 anos que não me dedicava ao "maior detetive de todos os tempos".

Recentemente, eu li um conto de horror do Arthur Conan Doyle, numa coletânea da Companhia das Letras, mas confesso que desconfiava do sabor que Holmes me traria.

Sherlock Holmes foi uma das minhas primeiras e mais impressivas influências.

É bem possível que eu tenha escolhido o jornalismo, em parte, porque exercitar o cérebro de forma tão analítica, mergulhar em mistérios arrepiantes, perigo eminente, flertar com o medo e promover a justiça, tudo isso parecia mais improvável através de um escritório de detetive particular.

Além do mais, sou incapaz de fumar cachimbo e hoje compreendo que um sobretudo de tweed seria um erro lamentável no calor dos trópicos.

Mesmo assim, a nostalgia se misturava com um pouco de preguiça quando pensava nas aventuras de Holmes. Agora percebo exatamente o motivo. Minha leitura, no começo da adolescência, dependia das edições velhas, baratas e mal conservadas disponíveis na esforçada, mas sôfrega, biblioteca pública de Ponta Grossa.

As letras miudinhas, um certo mal gosto no uso dos itálicos e a encardenação frouxa me fizeram confundir o andamento da leitura com seu manuseio. Então, nessa última década e meia, toda vez que me animava para rever Doyle, um preconceito tapava meus olhos: literatura de mistério do século 19 soa mais redundante que excitante, mais pretensiosa do que envolvente, mais ingênua do que desafiante.

Non sense. Agora, com essas caprichadas páginas impressas com Fairfield nas minhas mãos - e talvez dotado de mais maturidade -, percebo que os contos de Sherlock Holmes e Watson são leves como pluma. Lêem-se com rapidez estonteante. Comecei a examiná-los despreocupado e quando vi, em dois dias, quase metade das 495 páginas do primeiro volume já haviam sido desvirginadas.

Veja bem, não sou crítico literário nem tenho a intenção de sê-lo, mas sinto que Doyle alcançou leveza e fluência que colocam Holmes em vantagem quanto ao seu próprio inspirador, o August Dupin criado por Poe para Os Assassinatos da Rua Morgue.

**

Então.

Não dá para ler e passar impune.

Decidi botar meu senso de observação para funcionar e saí por aí "deduzindo".

Hoje, no supermercado, uma mulher beirando os 30 atendeu, tensa, ao telefone celular:

"Quando cheguei, ele não estava mais! Liguei para lá e aquela secretária idiota, com aquela voz fininha, veio com o Clínica Doutor Herr, boa tarde! Mas eu sei que ele não volta, mãe, não adianta. Depois que ele fez comigo... o problema é que..."

A conexão parece ter caído e a garota fechou o aparelho, irritada.

Em seguida, acrescentou quase uma dúzia de bananas à sua modesta cesta. Deu um passo, olhou para o vazio com seu olho bom, levou a mão ao outro, inchado, e voltou para o estande. Trocou por uma penca bem menor, não sem antes dar um suspiro melancólico.

Eu lustrava uma maçã a dois passos. Ela derrubou uma parte das bananas e eu me apressei para ajudá-la.

"Obrigada", disse num sopro de voz.

Sorri e, um segundo depois...

"Isso sempre acontecia na minha casa. Saem, mas, no final, voltam".

Ela ficou estupefacta... Olhou para as bananas, confusa.

"Como assim? quem volta?"

"Alemães. São durões. Às vezes até violentos". Fiz menção com o nariz em direção ao olho machucado. "Meu avô era alemão. Bravo... Médicos, então, são piores!"

Ela franziu o cenho. Tateou a cesta como quem protege a carteira: apalpou o pacote de absorvente, um único pepino e um par de pilhas. Acompanhei os dedos e apresentei minha conclusão:

"Você se sente solitária, não é?"

A mulher abriu a boca e deu um passo para trás. Espiou sobre o meu ombro e viu alguém.

"Cledir!"

O homem se aproximava, curioso, abotoando o jaleco branco.

"Dr. Herr, eu presumo".

"Ah", ele disse, "não deu tempo nem de tirar o uniforme..."

"Cledir, vamos embora daqui".

Ela deu o braço para o rapaz e saiu cochichando.

Mais tarde, quando saía do supermercado, vi a mulher se ajeitando numa cadeira do salão de cabelereiros em frente. Lá do fundo, repentinamente, o suposto marido, o médico de sobrenome germânico, veio em sua direção. Não sou dado a testemunhar quebra-pau, mas me aproximei da porta para confirmar minhas brilhantes deduções sobre a separação intempestiva do casal.

"Cledir, você destruiu meu cabelo ontem! Olha para mim, como vou aparecer na formatura? Tudo acontece comigo no mesmo dia: inflamação no olho, dor de barriga, caminhos de rato por toda a minha cabeça... por que você fez isso comigo? O que falta acontecer? Blá, blá, blá..."

Desconsolado, coloquei a mão na porta para abaixar a cabeça e lamentar minha tolice. Aí li o ridículo nome do salão de beleza: DOUTOR HAIR. CLÍNICA DE ESTÉTICA CAPILAR.

Lá de dentro, a mulher desviou o olho raivoso do pobre Cledir e me encontrou na calçada. Abriu um berreiro.

"Olha lá o tarado! Ele tá me seguindo!"

Elementar. Esse tipo de coisa só acontece comigo.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

hahahahaha! Genial!

7/1/07 00:31  

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