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Victor E. Folquening escreve, você lê e diz alguma coisa

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sábado, setembro 15, 2007

JAZZ, ESSE PROMÍSCUO!


Saiu no Caderno G de hoje, em edição do Irinêo Netto - autor, aliás, de ótima entrevista com o escritor Ashley Kahn. Meu texto é a única coisa que mancha o especial sobre jazz. Como no jornal ninguém vai se interessar por ler o meu, dado o contraste com os outros, reproduzo o Pensata aqui.

Uma linha escura, indivisível, fantasmagórica, corta a paisagem. Há brilho de luz na altura do chão, num campo que se perde no infinito. Parece iluminação artificial. Um homem, desajeitado pelo seu corpo grotesco, caminha em direção ao fundo. Observamos a figura de costas e, sob sua cabeça, a escuridão de uma tempestade que se avizinha.
A cena pode ser uma descrição impressionista da música. E é, de forma brilhante, a capa do disco que a ostenta.
Trata-se de Lumi, talvez a melhor gravação de Edward Vesala, um dos maiores nomes do jazz em todos os tempos.
Edward Vesala?
**
Um artigo de revista, publicado agora mesmo, em setembro, anunciava Madeleine Peiroux como representante de uma suposta nova revolução do jazz. A autora do texto ainda pontuava quais seriam os momentos, na história do gênero, em que o jazz teria sido revolucionário: com Louis Armstrong, nos anos 20, com Charlie Parker, nos 50, e agora, com... Madeleine Peiroux!
E o motivo é ainda mais interessante: a cantora americana assume, em seu discurso, um “diálogo” do jazz com o pop. É o novo milênio do jazz, comemora a redatora.
O jornalismo é assim mesmo: na ânsia pela informação objetiva, esclarecedora e mesmo educativa, costuma reduzir o mais complexo dos temas a um mínimo múltiplo do senso comum. Não que seja vocação inalienável do jornalismo. É apenas um empobrecimento, necessário algumas vezes e francamente contraproducente em todas as outras.
A própria idéia de revolução no jazz parece contradizê-lo. Se há algo que diferencia o “gênero” de outras formas musicais é a obrigação – não a tendência ou a postura – de se manter dinâmico, promíscuo, provocativo.
Todo jazz é provocativo?
A melhor resposta é sim, todo jazz tem o sentido de revolução em seu próprio discurso. De outro modo, nada o tornaria diferente da música pop, erudita, blues, spiritual, country, eletrônica e todas essas evocações que sempre serviram de matéria-prima para os músicos.
No geral, confunde-se essa provocação com sua face mais evidente, a política. Muitos “estudiosos” dizem que o jazz foi revolucionário quando a causa – contra a discriminação, contra o domínio do swing, a favor das minorias, da world music, do meio ambiente – apareceu como a casca mais saliente da cebola.
Mas o jazz é revolucionário até quando se preocupa em desaparecer nas sutilezas, muitas vezes puramente estéticas e nem um pouco panfletárias. Você lê ali “sutileza” não por acaso, já que outro modo de enxergar o “inovador” é perceber sua recusa ao mainstream. Daí é bem fácil dizer que Charlie Parker, Ornette Coleman e Miles Davis foram ousados: nos deram bebop, free jazz e um particular sentido de música modal.
Mais difícil é entender que, a seu modo e a seu tempo, um bandleader “comercial”, comprometido com o faturamento de sua orquestra, como Artie Shaw, tem tanta importância para o jazz quanto os cânones que ganharam a crítica intelectual. Muitas vezes sequer arriscamos a chamar essa produção musical de “jazz”. E olhe que foi graças a ele que, pela primeira vez, uma cantora negra acompanhou uma banda formada por brancos. Billie Holiday, aliás.
A maioria dos comentadores de música, na mídia, não tem lá muito claro até onde estão dominados pelo moralismo. Determinada idéia passa a ser encarada como “revolucionária” simplesmente porque parece uma radical oposição a outra. Tipo Homem-Aranha e Venon, Super-Homem e Bizarro, música nova e música antiga. E nos cadernos adolescentes em que se transformaram a maior parte das publicações sobre arte, defender que o pop “salvou” o jazz é quase parte de um dever religioso.
O fato é que o jazz se apropria das demais formas musicais. Ele não é exatamente o “gênero”, mas a costura misteriosa, o elemento incandescente que retransforma os componentes musicais alheios num formato sob constante mudança. De um jeito que chega a ficar difícil dizer com certeza se estamos falando desse gênero ou de outro.
É por isso que Duke Ellington dá cor diferente para cada uma das inúmeras interpretações de “Caravan”, por exemplo, mesmo levando a fama de escrever cada linha de “improviso” de seus músicos.
Tempo também é um fator controverso. Ouvintes de jazz, em geral, não perdem o sono com a data que tal gravação foi produzida. A contextualização, a importância histórica, a procedência, tudo isso tem valor indiscutível. Mas nenhum adulto vai deixar de ouvir Django Reinhardt porque é “música de antigamente”. Nessa lógica, poderíamos dizer que Mozart já não serve para nada, já que alcançamos o Justin Timberlake.
O problema final é que muita gente fala dos nomes populares do jazz, esses sepultados no setor de “alta cultura”, e ainda mais gente se deslumbra com os “novos nomes”, os músicos que também aparecem na trilha sonora de novelas e filmes hollywoodianos dados a rompantes sensíveis.
Independentemente do tempo, vale a pena recuperar aquelas obras que não saíram nas listas de cânones, mas que certamente figuram entre as maiores conquistas do jazz em todos os tempos. Pérolas do jazz europeu, por exemplo, que ficam restritas a um egoísta grupo de conhecedores.
Como Vesala, esse que abre o texto.
Edward Vesala se criou nos confins da Finlândia e esse gelo todo não passa despercebido na sua música. Morreu cedo, em 1999, mas teve tempo de desenvolver projetos com a ECM, selo dedicado a romper as fronteiras de gênero, e com sua própria gravadora. Crossover, como diziam na época do Ray Charles. Lumi (ECM, 1986) é o marco principal de sua produção. Bebe da tradição, mas é promíscuo o suficiente para desafiá-la, misturar-se com outros tons, outras luzes, outras estéticas. A um ponto de beirar a abstração, de se tornar inclassificável.
Jazz, portanto.

2 Comments:

Blogger Anny said...

Ola Professor,muito interessante seu blog,mal cheguei,e ja estou impressionadissima.Um abraço.

15/9/07 16:01  
Anonymous Anônimo said...

êêê, Don Vito Folquening, é sempre muito bom ler seus textos - exceto pela sensação de que eu escrevo mal pra cacete:>)

19/9/07 22:37  

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