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Victor E. Folquening escreve, você lê e diz alguma coisa

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Grupo de gestores para soluções estratégicas nas Faculdades Integradas do Brasil

domingo, julho 30, 2006

O AVATAR # 4! Jesus vai carregar Ombro nas costas nesse episódio

Episódio de hoje: “Um carro de bombeiros chamado Desejo”.


A vida começa a voltar ao normal no número 1717 da Rua do Tatu Esperto. Rocky
Ombro ainda tenta encaixar as peças do quebra-cabeças que envolve uma
enfermeira, a suposta ex-mulher, Romeniatown e um suspeito com duas cicatrizes
em forma de redemoinho. “O que essas empresas de brinquedo não fazem para
vender!”, protesta, desistindo de encontrar o encaixe que talvez represente um
pedaço de tecido xadrez.

“O que quer para o jantar, filha?” A voz é macia, emitida por um biquinho amoroso pela fresta da porta colorida do quarto de Elizabete.
OVO,
ela escreve no bafo da bolha, imprimindo um enorme sorriso de felicidade no rosto cansado do detetive. “Obrigado, meu Deus, ela já começa a dizer coisa com coisa!”
Enquanto comem a omelete – uma receita especial com pasta de amendoim, criada especialmente por uma cartomante -, O AVATAR reflete sobre a importância da manhã seguinte: é o dia do teste para o papel de Blanche Dubois na peça da escola.
Elizabete estaria no espetáculo de qualquer modo, por causa da cota de dez por cento exigida pelo governo, mas o orgulhoso pai se sentiu ofendido ao descobrir que haviam criado o papel de irmã muda de Mitch para oferecer a sua filhinha. Depois de mencionar um nome do passado para a professora Ludmila, as portas foram abertas, pelo menos para um teste.
“Como sabe sobre o barão?”, Ludmila sussurrou em tom grave.
Alguém me disse”.
De toda maneira, a preciosa cria do papai teria sua chance, à qual se agarraria com todos os tubos.
“E para a sobremesa? Alguma fruta, meu amor?” Ela faz que “sim” com a cabeça, mas escreve algo tão lindo que Rocky Ombro jamais esquecerá – apesar do acento errado.
ÃMOR
O AVATAR abraça a bolha, com lágrimas indisfarçadas, e promete pela oitava vez naquela noite:
“Eu juro que nada de ruim acontecerá contigo, minha filha”.
**
Na manhã seguinte, durante o intervalo dos testes, Ombro aproveitou para conversar com o doutor Lagomar, padrasto de Jefferson Júnior, favorito para o papel de Stella.
“Por que desconfia de dislexia, Rocky?”
“Ela está melhorando, doutor, mas escreve algumas letras ao contrário. Acerta T, A, O, V, X, M... O problema é a enorme dificuldade com B, R, C, P...”
O AVATAR parou a frase no meio. Lagomar entendeu que era emoção e tentou animá-lo a continuar, mas foi interrompido. “Shhhh. Cheire!”, disse Rocky com o dedo indicador em frente aos lábios. “É fumaça!”
Uma voz fina e infantil ecoou das coxias. “Fogo! Salvem as crianças!” Tratava-se do diretor Claiton Bentevi, famoso pelo temperamento explosivo. Com as gêmeas Botelhinho nos braços, Bentevi pulou por sobre as cadeiras até chegar à saída de emergência. Atrás dele, as labaredas consumiam o velho madeirame do colégio.
Os bombeiros conseguiram controlar o incêndio duas horas depois. Como estava no depósito de fantasias, por causa da bolha, Elizabete acabou esquecida. Por sorte, o campeão mundial de rugby, Aparecido Roger dos Santos, passava pelo local, percebeu o desastre eminente e, num ato de bravura, agarrou o aparelho de sobrevivência e correu por dez jardas até a linha fora da escola.
O fato é que Elizabete sempre dependeu da bondade de estranhos.
“Não é a primeira vez que esse colégio pega fogo”, explica o agente Cassius Fox Smitherson, de cócoras enquanto analisa um tição grudado a uma carcaça de cachorro. “Em 1962, oito pessoas perderam suas vidas naquilo que ficou conhecido como O Churrasco da Escola Sinistra”.
O AVATAR sentiu que poderia haver uma conexão. “Hmmm, exatos 47 anos depois. Isso parece um padrão”. Fixou os olhos por sobre o ombro direito do agente, perto do último foco de incêndio, onde as gêmeas Botelhinho – Jeniffer, Jacqueline, Tábata e Cleonice – eram atendidas. Havia um rosto formado pelas chamas, um rosto que só o terceiro olho de Rocky Ombro poderia enxergar.
“Cassius, o que descobriram naquela parte da escola onde milhares de pombas foram torradas?”
“Ah, nada de importante, apenas mais um smash-coin”.
Smash-coin é o apelido que o pessoal da perícia científica dá para descobertas interessantes, mas que não contribuem para resolver o caso.
“Descobrimos uma reação química que transforma canetas de quatro cores em alpiste orgânico de alta qualidade”.
Bastaram dez segundos para a mente astuta d’O AVATAR cantarolar o significado daquele sinal: “passarinho na gaiola, feito...”
“Ei, Linus, aqui”, gritou, “me leve à Ma Ju Se Maro.”
“Ao Museu da Imigração Japonesa?”
“Não! Ao Manicômio Judiciário de Segurança Máxima de Romeniatown”.
Pela segunda vez na semana, Rocky voltaria àquele ninho de abutres peçonhentos. Dessa vez, direto no coração das trevas.
**
O acesso ao setor cinco só é permitido a três tipos de pessoas:
1) aos que trabalham no local;
2) aos que apodrecem para sempre nas celas escuras;
3) aos visitantes e curiosos.
Nas catacumbas do setor cinco, Ombro se encontraria com Donald Storm, conhecido nos anos 70 como “O Incendiário de Patópolis”.
“Isso é realmente necessário, detetive? Esse lugar me dá calafrios!”.
“Para chegar a um criminoso”, explicou com paciência, “é preciso entender a sua mente”.
Linus deu-se por satisfeito, embora não entendesse qual era a relação de sua mente com o manicômio e com o incêndio.
O perigoso setor cinco está lotado de criminosos que se converteram a Cristo. Donald Storm já foi o número 2 na máfia interna do presídio, apenas atrás do ex-skin-head, ex-homossexual e ex-negro Matias Salame, famoso no circuito off-jail pelo compacto “Jesus me esqueceu na cadeia”. “Esse cara é foda”, diz ao pé do ouvido o carcereiro Ananias, temeroso pois “as grades têm ouvidos e Deus tá vendo”.
Donald está sempre em pé sobre uma pilha de pneus, olhando sem piscar para a luz. De cinco em cinco minutos, pula no mesmo lugar e grita: “Viva São Bisonho, santo padroeiro dos corcundas”. Aí responde a si mesmo: “Viva!”
Rocky e Linus entram na cela: “Estamos diante do homem cuja inteligência vai nos ajudar a pegar o incendiário”, introduz o detetive.
Para ganhar a confiança do célebre criminoso, Ombro levou o único disco evangélico gravado por Storm, “O Fogo de Jesus me Curou”, e pediu um autógrafo.
Enquanto escrevia “Me Tira Daqui, Raul” na contracapa, o presidiário olhava para os lados e confessava seu plano aos visitantes. “Até o final de semana estarei fora daqui. As pessoas dizem que é impossível escapar de MaJuSeMaro, mas não sabem que fui eu que projetei esse lugar! Sei exatamente como escapar”.
“Por que ele nos contaria, detetive?”, sussurrou Linus.
“Todo psicopata é, no fundo, um exibicionista. Ele precisa mostrar sua insuperável inteligência para alimentar o ego faminto”.
“Teletransporte!”, concluiu Storm.
“Antes disso, caro amigo”, interrompeu Ombro, com as mãos juntas na frente do rosto, como se estivesse rezando, “Por que alguém incendiaria a mesma escola duas vezes num intervalo exato de 51 anos?”
“Viva São Bisonho, o santo padroeiro dos corcundas!”
“Então é isso”.
“Viva!”
Puxando Linus pelo braço, O AVATAR saiu a passos largos de Romeniatown. Sua parte da missão chegou ao fim. O trabalho agora caberia ao tenente Hernandez Lopez – organizar um grupo de busca para recolher todos os corcundas da cidade e fazê-los falar, mesmo com métodos pouco convencionais. “Dentro da delegacia, os direitos humanos não produzem respostas”, explicou para o assistente que, como naturalmente não podia ouvir o que o detetive pensava antes de chegar à justificativa, não entendeu a frase.

No próximo episódio: Ao investigar o assassinato de um monge numa convenção de auto-ajuda administrativa, Rocky Ombro reencontra Dirce, agora operadora de telemarketing. Não deixe de estar lendo: “Pai Rico, Filho Assassino”.