BOP!

Victor E. Folquening escreve, você lê e diz alguma coisa

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terça-feira, julho 25, 2006

BANG! Pimenta Magnética, capítulo 10


Abram!
Desatenção deve ser um treinamento.

Houve um momento exato na história da minha vida, no frescor da maturidade, que certa situação dramática exigiu extraordinária concentração... Não lembro o evento, apenas pipocam flashes do meu rosto hirto, mãos trêmulas, gole seco, pernas bambas. Mesmo assim, tinha foco claro e auto-confiança que beirava a estupidez. Exauri todas as minhas forças físicas e mentais naquele desafio.
A sensação foi de espantosa felicidade. Convivia com o temor de que tal comprometimento já houvesse morrido na infância ou na adolescência, quando qualquer conflito é mortal, qualquer drama inunda nosso consciente.
Ali eu desfrutava do alimento próprio para me livrar do desânimo. Mesmo afastado da mitologia cristã que atormentou minha infância, havia algo perfeitamente metafísico: eu acreditava, como uma verdadeira profissão de fé, na minha predestinação. Poderia qualquer coisa, pois sabia empenhar toda a minha alma no que fosse preciso.
Infelizmente, fé é privilégio de poucos e não costuma durar.
Primeiro nós perdemos a paixão resoluta pelos grandes projetos: esse é um mundo cheio de links, por toda parte, que ilustram os fracassos de odisséias semelhantes às nossas. Depois, porque a maturidade tende a limpar o ego – e o resultado pode ser uma terrível frustração. Então sou tão predestinado quanto o cara crente que é o novo Orson Welles. Ora...
Aqui.
Alguém bate e grita. A voz rouca some no meio das palavras, confundindo-se com soluços. Um tom agressivo, mas ao mesmo tempo suplicante, como se pertencesse a um estereótipo sulista, um cantor envelhecido, viril, misturando sua milonga com a indignação pelo tempo perdido.
Abram!
Na mudez do sexo interrompido, coração a saltos doloridos, você emite um “ah” sussurrado, de desespero, quando ouve e, pior, percebe que eu também ouço, um som metálico tinindo através da porta.
Eu preciso fazer alguma coisa – aí sinto o completo inverso daquele brilho esperançoso de dez anos atrás. Só consigo pensar que as súplicas do homem ensandecido à porta diminuem em intervalos regulares. “Ei, eu sei que tem gente aí, abram”. “Sei que tem gente aí”. “Abram!”. “!”.
Afasto meu corpo bem devagar para não criar alarde. Percebo seus olhos marejados. A mistura de suor e sêmen retém a pele enquanto nos separamos, como folhas auto-colantes. Quando estou ligado a ti apenas através da ponte formada pelo meu pênis, com um braço apoiado na janela e outro angulado sobre meu próprio quadril, antes do bálano ganhar a luz da lavanderia, a pimenta magnética que havia saltado de suas costas e estava alojada caprichosamente entre as nádegas, invisível para nossa sensibilidade, escorrega pelo líquido luminescente de sua pele, diminui a velocidade por causa do grosso esperma que passa a envolvê-la e finalmente cai nas lajotas frias entre nossos pés.
Bang!
O som não foi grave assim nem tão estridente. Mas não ouvíamos nem nossa respiração, nem a suave estalo de ar no momento em que saí de sua vagina. Não ouvíamos nada além da madeira espancada, do eco súbito do aço contra a porta e dos gemidos daquele homem lá fora.
O ricochete da pimenta no piso funcionou como um despertar.
Você se assustou, fez um movimento brusco como se pudesse impedir no espaço e no tempo morto que o objeto chegasse ao chão.
Por causa dessa aflição, tocou o painel da máquina de lavar roupas. Curiosamente havíamos surrado aquela lavadora durante uns vinte minutos. E ela agüentou quietinha. Agora, no momento fatal, você consegue ligar o aparelho! A água lá dentro rapidamente vira um redemoinho e as pesadas calças jeans voltam a açoitar o cesto. O rangido se torna um mantra nervoso, toma a cozinha e avança por baixo da porta de entrada, envolvendo as duas sombras que representavam o convidado de pedra disposto a levar D. Juan para o inferno.
Lembro de todas as vezes que me alvorocei para explicar mal-entendidos: acertei o copo com canetas, derrubei a xícara de café, tropecei nos cadarços, desci no ponto de ônibus errado... Nunca conseguia resolver nada.
Certas coisas não mudam.
Tentei desligar a máquina e acabei acionando o modo “SUPER” alguma coisa, o que multiplicou os ruídos.
Você olhou para mim com uma cara de louca. Juro que, se fosse uma atriz numa novela, eu lhe acusaria de canastrice. Para meu desespero, era autêntica. Desistimos de desligar a máquina. Virou para o armário que sustenta a pedra da pia, abriu uma gaveta, a segunda, a terceira de baixo para cima, e de lá tirou uma faca.
“Pegue”.
Você enlouqueceu de vez. Pare com isso, não é brincadeira.
“Eu sei o que vai acontecer. Juro que sei. Por favor, pegue”.
Aceitei a lâmina, não por causa da intenção de usá-la, mas para tirar a arma de suas mãos. Empurrei-lhe pela cintura. “Com licença”. E fechei a gaveta. Com licença? Meu Deus, como sou imbecil. Que hora para dizer uma tolice dessa.
“Pelo amor de Deus, abram essa porra dessa porta!”.
Virei naquela direção e sequer senti que estava segurando uma faca, exatamente a única grande e afiada o suficiente para provocar pânico.
Fiquei parado uns cinco minutos. E tudo virou murmúrio se distanciando. O vulto sob a porta ia e vinha. Seu rosto, muito mais pálido que o a textura do meu balcão. O ruído da máquina se tornou tão regular e sem importância que se incorporou à acústica ambiente. Quando libertei um suspiro contido...
BANG!
Meus sentidos praticamente apagaram; minha visão parecia ter sofrido uma mudança dramática de lentes: o caminho até a porta se esticou até quase o infinito. Percebi as juntas dos dedos martirizadas pela força com que eu apertava o cabo da faca.
Ouvi o som pesado e inerte despencando no piso do outro lado da entrada. Simultaneamente, o ruído metálico quicando uma vez e deslizando até ser interrompido pela porta do elevador.

(continua)

6 Comments:

Blogger manoela ebert said...

Sim, tenho um blog só meu,lá escrevo o que me dá na telha, diferente do Vida Eletronika.
Será sempre bem vindo, claro!
Já atualizei meus links com seu endereço novo.
beijão

25/7/06 14:58  
Anonymous Anônimo said...

Estou ficando com medo.
Saia daí!

Avocado

25/7/06 15:44  
Anonymous Anônimo said...

Mais, mais, mais, mais...*

28/7/06 20:56  
Anonymous Anônimo said...

essa da lavadora foi... foi...
Na nossa época todo mundo achava que vc nasceu pra ser jornalista e as vezes eu encontro alunos teus que só faltam rezar pra vc. Pra falar a verdade, teu nmaior talento é bem outro.
Vc é o viagra feminino!
So n fique se achando agora.

28/7/06 22:41  
Anonymous Anônimo said...

Very best site. Keep working. Will return in the near future.
»

10/8/06 15:51  
Anonymous Anônimo said...

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