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Victor E. Folquening escreve, você lê e diz alguma coisa

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sábado, junho 21, 2008

GRANDES MUSICAIS - PARTE II


A reclamação era mais ou menos óbvia: os compositores de Agora Seremos Felizes (Meet Me St. Louis, 1944) se recusavam a escrever uma música sobre um bonde - um trolley. Ponha-se no lugar de um camarada que, no começo dos anos 40, levava a sério seu ofício. Você teria que pensar em melodia, letra, ritmos que combinassem com o roteiro: um drama nostálgico com toques de humor. Sem non-sense. Se fosse hoje, provavelmente cairíamos no escracho. Ou em um tiroteio em câmera lenta, ao som do rap, já que transporte coletivo é cenário freqüente dos filmes de ação.

Só que se trata de um filme "bobo". Maliciosamente bobo. Os roteiristas - Ralph Blane e Hugh Martin - tentaram dar uma roupagem mais "digna" para o tema, usando o bonde como uma espécie de metáfora. O diretor jogou fora e pediu uma música sobre o bonde!, ora bolas. Enquanto colecionavam recortes de jornais antigos, em busca de inspiração, descobriram fotos do veículo na época em que a história se ambienta (alvorada do século 20). A legenda de uma delas: "clang, clang. lá bem o bonde". Daí saiu um dos momentos mais gloriosos da história do cinema.

"The Trolley Song", contudo, era o menor dos problemas. Tudo caminhava para dar errado. O diretor era um quase estreiante e não contava com a confiança de todo mundo. Tudo bem que era Vincent Minnelli, mas pode-se dizer que ninguém ainda sabia o que isso significava. Para piorar, a estrela estava descontente, desmotivada e fazia de tudo para mostrar que era mimada, sim, e danem-se vocês todos.

Mas era Judy Garland.

A maior "artista completa" da história de Hollywood. Outros dançavam melhor do que ela. Havia quem interpretasse melhor. E até cantasse melhor. Mas quantos fizeram tudo isso num nível tão alto?

Judy era tão boa que Minnelli se apaixonou por ela durante as filmagens, a despeito de seu temperamento terrível. E a despeito de ela ser casada. De ela não ser nem um pouco bonita. E de Minnelli ser gay!
Tanta contradição só poderia ter resultado em Liza Minelli, mesmo.

Meet me in St. Louis é um exemplo de como a paixão dos talentosos é o melhor fermento da arte. O filme é um deslumbre em technicolor, com todas as cores possíveis nos inverossímeis vestidos de babados e chapéus encimados por verdadeiros jardins. Toda vez que tem um solo, Judy é enquadrada por Vincent como num porta-retrato. Às vezes com a janela, às vezes com as árvores, às vezes com as pessoas - pois veja que, quando Judy começa a cantar The Trolley Song, ela é a única sem chapéu. Sua simplicidade é emoldurada pelo colorido calculado dos figurinos e do movimento dos coadjuvantes. Deus, isso sim é dirigir.

Trata-se de um filme ingênuo, inspirado nas histórias publicadas por Sally Benson na revista New Yorker. Doce e familiar. Mas, claro, como toda obra-prima, guarda estranhezas que nos provocam incômodos persistentes. A maior delas, sem dúvida, é a assombrosa sequência do Dia das Bruxas, em que as crianças parecem entrar num frenesi de violência e auto-mutilação. A cena da pequena Margareth O'Brien enfrentando o "homem mau" do final da rua parece décadas à frente de sua época.

Cada canção tem uma história memorável - como a de "The boy next door", cuja letra mudou o endereço descrito no roteiro para que rimasse no refrão. E todas ficaram para o repertório da música popular, especialmente "Have yourself a merry little christmas", que foi alterada pela própria Judy Garland porque, segundo ela, "o final levava a uma espécie de suicídio".

A velha máxima "a estrela que brilha mais, dura a metade do tempo" vale perfeitamente para Judy, que praticamente nasceu no show-business e foi vítima do próprio talento, sem chance de infância ou sossego. Morreu de tanto tomar remédio para emagrecer, viciada em pílulas para dormir e álcool. Tinha pouco mais de 40 anos. Amanhã, 22 de junho, completam-se 39 anos de sua morte.

Ding! Ding!
Garland está ansiosa. O seu paquera, o menino da porta ao lado, não aparece. Toda a cidade parece ter vindo. É a inauguração do bonde! A animação dos outros não contagia a adolescente. O veículo começa a andar. Com ele, a música. Todos cantam felizes. Menos a aborrecida Garland. Até que seu amado surge correndo atrás do bonde, atabalhoado mas sem amassar o impecável terno marrom ou desarrumar a gravatinha verde. Ela quer compartilhar a felicidade, ela quer contar para os outros! Então, depois de dois minutos e 16 segundos do início da sequência, ouvimos e vemos a deliciosa interpretação dessa que é uma das maiores atrizes de todos os tempos:

With my high-starched collar, and my high-topped shoes
And my hair piled high upon my head
I went to lose a jolly hour on the Trolley and lost my heart instead.
With his light brown derby and his bright green tie
He was quite the handsomest of men
I started to yen, so I counted to ten the I counted to ten again

Quer saber?