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terça-feira, fevereiro 20, 2007

FANTASMAS! parte 1: ouvir a própria voz


Ser jornalista era uma coisa glamourosa naquele tempo.
O tempo era o final dos anos 90. A paisagem: o interior do Paraná.
Ainda assim era uma vida glamourosa.
Como quase tudo, você só percebe muitos anos depois. Naqueles momentos era só trabalho. Exaustivo, mal pago, desacreditado, inútil, às vezes recheado de preguiça.
Agora a memória evoca uma vibração jovial, romântica: o cotidiano alimentava a vaidade, oferecia flashes que sugeriam antever um futuro promissor. Talvez esse mundo só exista na impressão, pois quando presente não parecia com o que se parece hoje.
Veja como era.
Eu estava esgotado naquelas primeiras semanas da primavera de 1999.
Pouco mais de um mês antes, o prefeito irrompeu na sucursal. Furioso, ou simulando fúria, se lamuriava pelo que dizia considerar uma “conspiração” contra ele próprio e, por extensão, contra a cidade que governava.
“Isso é mentira!”
Não era. Havia meses que o prefeito lutava para dar forma a um “programa de saúde municipal” que serviria para “resolver o sucateamento de uma vez por todas”: cobrar do contribuinte dez reais por consulta nos postos de saúde e hospitais públicos.
O que, naturalmente, é inconstitucional.
A Câmara Legislativa até tendia a concordar com a Constituição, mas todo mundo que freqüentava os bastidores tinha mais ou menos por certo a existência de uma folha paralela de pagamento aos vereadores. Trinta mil mensais para cada um que estivesse disposto a colaborar.
O fato é que a Câmara não se limitou a aprovar o projeto do poder Executivo. Em tempo recorde, ainda endossou a transformação da propalada Associação Saúde em “entidade de utilidade pública” e, com isso, permitiu que a prefeitura repassasse alguns milhares de reais para o início de seu funcionamento.
Eu escrevi quase uma dezena de matérias sobre o assunto. Mas, obviamente, as reportagens não influenciavam quase nada no desenrolar dos arranjos políticos. Até que, depois de ler e reler e reler e reler o estatuto da entidade, concluí que a única ação que me restava era visitar a sede da Associação. Ver de perto se, além da primeira-dama, outros parentes deste ou daquele “parceiro” foram premiados com encostos profissionais.
Mas não havia nenhuma "empresa municipal de saúde" no endereço descrito pelo projeto.
Tratava-se de uma lavanderia.
E nenhum dos funcionários tinha a menor notícia da Associação Comunidade Saúde.
Era por isso que o prefeito estava ali, na minha frente, bufando e arregalando os olhos dramaticamente. Era por causa da primeira frase do meu texto, publicado naquela manhã: “Isso sim é que é lavar dinheiro!
Ele se acalmou. Sempre se acalmava, por isso ganhava as eleições. Aprendera a controlar o gênio explosivo. A contornar a falta de erudição, a ausência épica de sensibilidade. Gentilmente me convidou para andarmos até o seu carro, estacionado a uma quadra do jornal. Abriu a porta para entrar e, simulando acidente, deixou que eu flagrasse um revólver mal escondido sob o banco. “Ah, eu ando com isso, ultimamente, porque essa cidade já não é mais como antes. A gente tem que se cuidar”.
Eu olhei para ele sem nenhuma emoção. Por algum motivo, até ali não parecia uma ameaça. Mas ele continuou.
“Eu, se fosse você, se cuidava. A cidade anda um perigo! Veja tua mãe, por exemplo, toda terça ela vai a pé, no final da tarde, para o Sesc perto do cemitério. Aquela rua que ela pega não é das mais iluminadas...”
Entende o glamour?

Mais tarde eu atenderia ao telefone duas vezes, em casa, e ouviria minha própria voz gravada. Passei anos tentando, em vão, achar um jeito de incluir essa ameaça nas conversas que tive com o então prefeito. Queria simplesmente elogiar a sofisticação da advertência, mas suspeito que pareceria revanchismo.


(continua).
* a foto acima é de Rodolfo Bührer, tal qual publicada em 31 de outubro de 1999 por um jornal da capital.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

manda ver aí que a galera tá querendo saber mais.

abraço

vilmar.

ps.: vi a cobertura da globo sobre o carnaval de ponta grossa. que depressão! aquelas mulatas fora de forma, ritmistas fora de ritmo, fantasias fora de série e por aí vai...

22/2/07 14:04  
Anonymous Anônimo said...

Olá, Vilmar Xista! Já conclui outro capítulo, mas dei um tempinho antes de publicar. Amanhã ou depois estará no ar.
Quanto ao carnaval de PG: é o único do mundo que as pessoas confundem com a sexta-feira da Paixão. Abraço.

22/2/07 23:33  

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