MACACOS ME MORDAM! Peça teatral em quatro cenas desproporcionais
CENA UM
Sob a porta de um caminhão, JOANA, entre 45 e 50 anos, cabelo pintado de vermelho e óculos espelhado, conversa com o motorista Ela usa uma camiseta onde se lê PAI ETERNO, FILHO GALILEU, com um desenho imitando a capa do livro de auto-ajuda. É professora. Ela fala com VALMIR, entre 40 e 50, tipicamente barrigudo, mas com um certo charme malandro. Ela se movimenta com ar preocupado. Não quer que a vejam “negociando” com Valmir.
JOANA: Minha vizinha disse que o senhor sempre vê por lá...
VALMIR: É, dona, eles tão sempre em umas gaiolinha à beira da estrada.
JOANA: Mas e a fiscalização, o Ibama?
VALMIR: Olha, dona, praqueles buraco do Mato Grosso não tem nem luz, vai ter fiscalização?
JOANA: Então o senhor traz pra mim? É uma surpresa pros meus filhos...
VALMIR: É o que eu disse, dona. Nunca trouxe. Eu sei que tem, porque uma vez por mês eu passo lá e os macaquinho tão abraçadinho nas grade da gaiola esperando, bem mansinho... mas se tiver por lá quando eu passar, na volta eu trago.
Joana sorri, ansiosa, e tira duas notas de 50 e dá para Valmir.
CENA DOIS
Gaiolas com micos de olhos injetados, com a língua entre os dentes, balançando vagarosamente como se estivessem escutando reggae. Dois camaradas de camisa encardida aberta até a barriga estão sentados sob uma árvore. BUDÚ, um rapaz de trinta e poucos, tem uma GARRAFA DE PINGA na mão. Ouvimos o som do caminhão. Um deles, JAIR, mais velho que o outro, levanta e anda na direção da carreta.
VALMIR: Tarde...
Jair responde com aceno de cabeça
VALMIR: São mansinho?
JAIR: Pra criança, é bicho pra fazer companhia pra criança. Olha só o marditinho...
Um mico olha, de um jeito vazio, e balança a cabeça vagarosamente, com a língua pra fora, entre os dentes. Jair tira o mico da gaiola e leva até Valmir, que se encanta com a doçura do animal e pega, meio desajeitado, no colo.
O CAMINHÃO SAI E JAIR BOTA UMA NOTA DE 50 NO BOLSO. Logo depois da partida, aparece um outro GAROTO, com um mico dentro de um SACO amarrado. O menino tem dificuldade de controlar o pacote, pois o animal esperneia e grita. Jair vai acudir e segura o macaco ensandecido no chão.
JAIR: Budú, traga a pinga!
CENA TRÊS
Valmir dirige, ouvindo música romântica meio indefinida. Cantarola resmungando. De vez em quando estica o braço direito e acaricia a cabeça do mico, que está sentado no banco do passageiro. Eventualmente sorri para o bicho.
VALMIR: Tá quente, né, Cleverson?
De repente, o mico começa a agitar a cabeça mais rapidamente e o olhar perdido vai se transformando em desconfiado. O porre de pinga está passando. Valmir está com as duas mãos no volante. Então ele troca de marcha e, olhando pela sua janela, leva o braço em direção do macaco... e leva uma mordida! O bicho começa a gritar, morder, pular, arranhar... Surpreso, Valmir passa a fazer ziguezague na pista. O miquinho morde a mão do motorista, que grita desesperado!
VALMIR: Solta, Cleverson, solta!
O motorista agita a mão direita de um lado para outro tentando fazer o animal se soltar. Num movimento para a esquerda, arremessa o macaco para fora do caminhão. Da cabine, Valmir olha assustado para fora, ouvimos um baque num vidro de carro, uma freiada, um barulho de capotamento e, finalmente, uma explosão! A luz do fogo inunda a cabine e os olhos arregalados do caminhoneiro.
CENA QUATRO
É uma sala de jantar e tem um sofá de costas para a porta. Ela, usando uma camiseta com gráficos onde se lê INVESTI NA BOLSA DE JESUS; leva uma travessa com macarrão colorido para a mesa. Usa um AVENTAL onde se lê SÁBADO. Na mesa, estão os GÊMEOS. Eles têm 15 anos!
JOANA: Everson, eu esqueci a banana à milanesa, vai buscar pra mim?
EVERSON: Porque você nunca pede pro Cleverson, mãe?
JOANA: Vocês parem de brigar... daqui a pouco um amigo da mamãe vai ligar e eu vou buscar um presente muito especial... mas é pros dois. Os dois têm que prometer que vão cuidar com carinho... não quero ver vocês se matando por causa do presente.
Os gêmeos estão claramente desinteressados. O TELEFONE toca. Cleverson, perto do aparelho, estica o braço e atende.
CLEVERSON: Alô... é o Cleverson... alô... ei...
JOANA: Quem é, Cleverson?
CLEVERSON: Não sei, ficou quieto depois que eu disse que era eu...
JOANA: Deve ter sido engano.
CLEVERSON volta para a mesa. EVERSON come vorazmente.
JOANA: Pare, Everson, pare. Vamos orar.
De mãos dadas, olhos fechados, a família dá as mãos.
JOANA: Senhor!...
O telefone TOCA novamente...
JOANA (Levantando-se): Mas que diabo de telefone! Alô...
VALMIR (fora de cena): Ele tá aí?
JOANA: Quem? Quem tá falando?
VALMIR: É o Valmir... ele tá aí?
JOANA: Ele quem?
VALMIR: Cleverson.
JOANA: Tá, sim... você vai fazer uma surpresa para os meninos?
VALMIR (f.c.): Ele... ele perguntou de mim?
JOANA: Não...nem ele nem o outro, eles não sabem que você vem aqui.
VALMIR (f.c.): Tem outro?
JOANA: Ah, não sabia? São dois.
LUZ COLOCA VALMIR EM CENA. CHOVE SOBRE O TELEFONE PÚBLICO.
VALMIR: Onde eles estão, agora?
JOANA: Estão na mesa, para almoçar. Você pegou a gente no meio da oração... Espera um pouco: Cleverson, pegue você as bananas, então! Venha logo, Valmir, que eu preciso inscrever os dois nos Estudos Bíblicos hoje à tarde... sabe, eu fiquei preocupada. Eles vieram com uma conversa de Evolucionismo... Deus me perdoe...
VALMIR (assustadíssimo): A senhora acha que devo ir aí hoje?
JOANA: Claro! Eles são muito espertos... se você não vir hoje, eles vão descobrir e você nunca mais vai ter sossego.
VALMIR: Eu vou passar aí, então... mas peça desculpas por mim, por favor...
JOANA: Ora, não seja bobo, tá no prazo ainda. Tchau.
JOANA volta à mesa e termina a oração, balbuciando.
TODOS: Amém!
A CAMPAINHA TOCA
JOANA: Mas que diabo!
EVERSON: Eu atendo...
CLEVERSON: Vou ao banheiro...
CLEVERSON SAI DE CENA. VALMIR está na porta. Está encharcado, cabelo desgrenhado, cara de espanto.
JOANA: Ei, Valmir, que rápido!
VALMIR: Eu liguei do telefone aí da frente.
JOANA: Entre.
VALMIR: Onde está Cleverson?
JOANA (com ar ressabiado): Está no banheiro... você está meio obcecado pelo Cleverson... Cadê o presente?
VALMIR: Presente?
JOANA: É, vamos buscar? Cleverson, vamos buscar uma surpresa para vocês...
CLEVERSON (f.c.): Já vou, tô cagando!
JOANA (encabulada): Glória a Jesus, que vergonha! Desculpe...
EVERSON (Rindo com a boca cheia de macarrão): Daqui a pouco ele vai cagar na mão e jogar em você...
A CAMPAINHA TOCA.
JOANA: Nossa, isso tá agitado, hoje. Senta no sofá, Seu Valmir.
Valmir senta, olhando para o lado que Cleverson saiu. Joana abre a porta, cobrindo o espaço e grita. Cai desmaiada. Vemos o MACACO, ofegante, cheio de sangue e hematomas, com uma FACA na mão. Raios e trovões atrás dele.
FIM
7 Comments:
Vitorino Folk!
Já houvi essa história dos macacos e da X(o)ana uma vez!
Mas tudo bem ficou legal.
Só tem um problema: tá ficando pessoal demais, largue desse povo. Como diria o Chaves do 8:
-Aguas passadas tanto batem até que vão para o mar! "?"
O Texto do cavalo tá ótimo, muito bom mesmo, gostei da ambientação do negócio! Conseguiu criar suspense, parabéns!
Gostaria de ver o inspetor Jesus tentar desvendar o caso dos Irmãos Caim e Abel e toda a ardilosa trama incestuosa que rodeia esse horrível assassinato.
Abraço e até mais.
Na verdade, eu fiquei com vergonha do texto sobre o cavalo. A idéia é boa, mas eu escrevi dez anos atrás. Ou seja, o conto é tecnicamente muito ruim. Então busquei uma peça de "gaveta" pra dar uma disfarçada. Na hora nem pensei nas implicações "reais" do negócio; apenas gosto da cena do motorista acariciando a cabeça do mico e chamando ele de Cleverson.
Daqui a pouco, para compensar um final de semana pouco criativo, afetado por gripe e sede compulsiva, publico um novo episódio do Ombro em que levo fé.
Daqui a pouco, para compensar um final de semana pouco criativo, afetado por gripe e sede compulsiva, publico um novo episódio do Ombro em que levo fé.
Nossa!
Agora que eu reparei que escrevi ouvi do verbo ouvir com "H". Esse é o mal de escrever e não ler. Passa cada coisa
Já tô lendo o Ombro!
Comédia Victor ! Se inspirou em alguém ? Hahahahahahaah bjssss
=D
derr
eu q comentei ali em cima
=P
bjsss
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