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Victor E. Folquening escreve, você lê e diz alguma coisa

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Grupo de gestores para soluções estratégicas nas Faculdades Integradas do Brasil

domingo, julho 23, 2006

CANÇÃO DO SUICÍDIO! INFÂNCIA AOS 30!

Há algumas semanas precisei apresentar um texto para a aula de Expressão Vocal no ACT. Usei parte de um pequeno monólogo para o qual nunca havia dado forma final. As pessoas parecem ter curtido e, então, não acho que faça mal transcrevê-lo aqui.

Canção do Suicídio

Monólogo, preferencialmente encenado sem objetos.

Eu tenho uma péssima coordenação motora, definitivamente sou um sujeito atrapalhado.
E isso determinou muita coisa na minha vida.
Sou do tipo que, como se diz, quando estou dançando com alguém, as pessoas correm para separar pensando que é briga.
Quando estou dançando sozinho, se alvoroçam para arrumar uma pílula e colocar embaixo da minha língua. E gritam: “tá voltando, tá voltando... podem ficar tranqüilos”.
Aprendi a amarrar os sapatos só aos oito. Até então, era meu melhor amigo que fazia isso por mim. Imaginem a cena patética. O garoto, da minha idade, da minha altura, interrompia minha passada, se ajoelhava e dava o nó nos meus cordões.
“Tá meio comprido. Tomara que eu não tropece!”
Mas o pior eram as aulas de Educação Artística lá no Colégio Municipal Dr. Raul Pinheiro Machado. Sabe onde fica? Fica no bairro da Santa Paula, que é periferia de Ponta Grossa, que é periferia do mundo.
Se o mundo realmente fosse chato, Ponta Grossa ficaria na parte escura, além do horizonte.
Imagine o Colégio Municipal Dr. Raul Pinheiro Machado!
Eu entrei direto na primeira série. Não fiz pré-escola, jardim da infância, essas coisas. Entrei seco e reto nessa prisão disfarçada. Aliás, prisão e escola são a mesma coisa.
Você está na escola cumprindo pena. Se anda na linha, sai por bom comportamento no final do ano. Se não faz tudo direitinho, fica encarcerado mais uma ou duas semanas, pelo menos. Tem até horário para tomar sol no pátio. E carcereiro! De vez em quando ele passa pelo corredor, com as mãos para trás, chacoalhando uma chave, e olha de soslaio pela fresta, como quem diz: “Muito bem, muito bem, tudo em ordem nessa cela de aula”.
A tal professora de Educação Artística mandava fazer aquelas coisas. Sabem quais, né? A coisa que mais denunciava minha incapacidade de lidar com o mundo sem derrubar nada era colar algodão nos malditos carneirinhos mimeografados. Sabem como é, né? A professora distribuía aqueles desenhos azuis, ainda molhados, e você tinha que usar a cola.
Eu olhava para o lado e via o do Carlinhos. Eu lembro o nome inteiro do desgraçado. Ele roubou o primeiro amor da minha vida. Carlos Alberto da Silva... o nome da garota eu já não tenho muita certeza, mas o Carlinhos...
Eu olhava para o carneiro do Carlos e via um verdadeiro milagre! Lanudo, branquinho, com as bordas do desenho cuidadosamente preenchidas pelo algodão. Parecia que o bicho balia para a gente: bééééééé.
O meu carneiro parecia pesteado. O algodão todo sujo, cheio de espaços vazios, e quando a professora levantava para ver, alguns chumaços despencavam. Dava até dó do animal.
Então, em determinado momento, eu resolvi meu problema de inadequação. Bem, não é que resolvi, mas decidi compensá-lo. Com sarcasmo! O sarcasmo seria minha proteção contra a crescente imagem de desastrado que eu construía.
Mas o sarcasmo me trouxe muitos problemas.
O carcereiro, por exemplo, sempre ganhava de mim quando eu tentava fugir cavando um túnel perto da quadra esportiva – porque, afinal, eu tropeçava no cadarço e o meu amigo não era mais rápido em laços do que o Tainha era com as pernas. Ele também me surpreendia pois nem sempre as cordas feitas das amarras com o agasalhos dos meus colegas ficavam firme o suficiente. De longe, eles gargalhavam ao ver eu escorregando pelo muro. Depois mudavam de humor ao perceber que as costuras dos casacos não eram assim tão resistentes.
Em todos esses casos, no entanto, eu levava uns tabefes e ficava por isso mesmo.
Quando descobri o sarcasmo, eu passei a reagir assim:
“Ei, onde você está indo, moleque?”
“Não sabe? O diretor mandou todo mundo ir lá para fora. Não escutou no auto-falante? Vão fazer uma homenagem para você! Vá chamar os outros!”
Deu certo!
Mas chamou muito a atenção e, definitivamente, passei a ganhar a antipatia de todo mundo.
E a cisma de que algo não batia bem aqui dentro.
Entendi isso justamente quando resolvi testar minha ironia em frente ao outros encarcerados. A professora de Português mandou fazer um texto sobre o campo e eu, desgostoso pelo menos com minha precária criação de ovelhas pesteadas, compus uma música que na época considerei bem singela. Pelo jeito a professora acreditou realmente na minha música e arrumou até uma psicóloga para falar comigo. Imagino também que ela tosqueava as ovelhas do Carlinhos com o barbeador do marido.
Psicóloga? Duvido que era. Um colégio municipal, no fim do mundo, que mal tinha carteiras, iria ter “psi-có-lo-ga”? Era uma secretária lá que fazia o papel, com certeza.
A música era assim:

Me dependurarei na árvore mais alta
E os meus lindos pezinhos balançarão
Quando os passarinhos chegarem fazendo festa
Os meus olhinhos castanhos comerão
Farão ninhos com fios dos meus cabelos
Irão comer até carcomer o meu nariz
Que beleza será o meu estômago
Quando os pardais pedirem bis!


A “psicóloga” me chamou e, comigo, o pobre do meu amigo.
“Por que eu vim junto?”
“Só para a gente conversar um pouco”
O que não explica nada, claro, e mesmo que explicasse nem eu nem ele prestaríamos atenção porque a tal “psicóloga” tinha bigode. Uns fios escuros e regulares, compridos, espalhados simetricamente naquele espaço enorme entre a boca e o nariz.
“Você tem problemas em casa?”
Que tipo de pergunta era essa? Claro que tenho. Quem não tem? Uma torneira que pinga a noite inteira pode passar com méritos como um grande problema. Mas eu sabia que uma resposta honesta não daria certo.
“Não, nenhum tipo de problema...”
Ahhh, disse mentalmente para mim, cale a boca. Não diga mais nada. Eu não resisti e foi aí que percebi o sarcasmo tomando conta de mim como uma doença, identificado naquele momento como uma mancha escura no cérebro. Quando terminei a frase foi como se a dra. Bigodes levantasse, erguesse uma chapa contra a luz e apontasse: “Tá vendo aqui? Nessa parte? Preciso de outros exames, mas tudo leva a crer que é maligno. Sarcasmo fronto-ociptal”.
“Na verdade, tem um probleminha de encanamento que vem judiando da gente”.
Furiosa comigo, a infeliz tentou investigar o outro menino para ver se encontrava uma pista mais clara do meu “problema”.
“E você, por acaso, foi criado pela avó?”
Me desatei a rir. Afinal, ele realmente foi criado pela avó.
No meio do riso, eu me dei conta de onde ela queria chegar. Via nós dois sempre juntos e, da porta, testemunhava o outro garoto se abaixar, ficar de joelhos na minha frente, e amarrar cuidadosamente meu tênis...
Para ela, nós éramos um casal!
Pensei em contar o motivo que eu tinha para odiar o Carlinhos, mas me ocorreu que ela poderia fazer outras conjecturas. Então deixei o sarcasmo e resolvi ser sério. E panfletário, além de tudo. “Doutora psicóloga”.
Quer dizer, um pouquinho de sarcasmo não faz mal a ninguém.
“Doutora psicóloga, a senhora acha que gays são perturbados?”
Eu não lembro o que ela respondeu, porque o meu amigo tomou um susto, deu um passo para o lado e olhou para mim:
“Você é gay?”
Eu fiquei tão nervoso com a confusão que acertei o copo com canetas que ficava na frente da sra. Freddy Mercury, e num esforço de ansiedade, tentei pegá-las ainda no ar, o que provocou um estrago tremendo. Baixei o corpo em frente ao meu amigo e fiquei na posição terrível que, hoje eu entendo, pode ter dado novas idéias para o camarada.
“Ai, ai, desculpe. Meu Deus, que besta que eu sou!”.
E os dois quase grudados na parede.
“Ai, que besta! Droga! Que vontade de morrer!”
A bigoduda pegou o bloco e anotou.
“Ei, não era de verdade. Não foi isso que eu quis dizer!”
O resultado de tudo é que chamaram minha mãe e recomendaram que eu não usasse mais tesouras, facas ou cordas para qualquer coisa que fosse.
E eu finalmente aprendi a amarrar os cadarços, acenando sem resposta para meu amigo ressabiado, do outro lado da quadra, enquanto passeava sozinho naqueles quinze minutos em que podemos tomar sol no pátio.
FIM
***
Essa história é, como quase tudo, um mix autobiográfico. É inspirada em coisas que aconteceram comigo e com o Benett em épocas diferentes. O lance da mulher do bigode e das tentativas de fuga são reais, assim como eu ter que pedir para ele amarrar meu cadarço até os 8. Só que a conversa com a Sra. Mercury aconteceu quando a gente tinha uns 16 anos, lá no Colégio Regente Feijó. E, sim, a mulher perguntou se o Bntt tinha sido criado pela avó! Eu passei uma semana acordando de madrugada para dar risada.
Claro que lembro o nome da minha primeira paixão: Ana Cláudia. Hoje ela está casada e tem duas filhas. Também não guardo rancor do Carlos, a quem não encontro há uns quinze anos. Ele sequer ganhou a Ana naquela época. Foi durante a adolescência. No fim, eu acabei namorando com ela nos primeiros meses da faculdade, uns 9 anos depois.
Aqui está outra foto constrangedora. Foi tirada no dia de nossa Primeira Comunhão. O Bntt faz o tipo galã com camisa amarela. Eu pareço um mordomo de filme de terror com essa medonha gravatinha borboleta. O altão é o célebre Ricardo Humberto, naquela época fã do Wasp e do Kiss e hoje convertido ao Islã. Meu irmão, João Felipe, está à sombra do Ricardo.
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INFÂNCIA AOS 30!

No começo do ano, escrevi umas trinta páginas de roteiro que venho burilando desde 2004. A idéia é basicamente mostrar que os problemas da infância são os mesmos que temos aos 30.
E duas semanas atrás tive mais uma comprovação disso.
Na infância, eu e o Benett montávamos expedições longuíssimas através do matagal que cercava a Santa Paula, bairro em que morávamos.
A dupla levava lanterna, cordas, garrafa de água e, certa vez, até faca cega de cozinha que o Benett sorrateiramente pegou na gaveta da Dona Odília.
Mas essas aventuras davam em nada. No máximo, a gente errava o carreiro e se perdia, demorando duas ou três horas a mais para chegar em casa, período em que inexplicavelmente chovia.
A utopia era encontrar o que na época chamávamos de "macumba" - uma maneira lírica de se referir a sacrifícios humanos em oferenda ao demônio. Hoje sabemos que há mais presentes para Satanás nos comerciais de banco do que nos singelos rituais religiosos com os quais, porventura, a gente deparava.
Pois bem, ontem aconteceu a mesma coisa.
Tínhamos que chegar à Companhia do Abração, onde começaria o curso do Antropofocus para ator cômico. A primeira coisa que o Bntt perguntou, ao entrar no carro, foi: "Você sabe como chegar lá?"
Em geral, há três frases que ninguém aguenta mais. A número 1 é: "Muito vento aí atrás?", naturalmente relacionada a motoristas solícitos. A medalha de prata: "Corrija com carinho!", ouvida com penosa frequência por quem, como eu, é professor. Completando o pódio: "Esfriou, né?", essa geralmente no elevador, acompanhada de um levantar de ombros e da mão esquerda esfregando o braço direito.
Comigo, no entanto, a frase mais comum é: "Você sabe como chegar lá?" (embora também ouça bastante: "Segure direito essa colher" e "Me solte").
Então: eu não sei chegar lá.
Mas naquele dia eu liguei umas seis vezes para os caras e pensava que sabia. Além disso perguntei para uma dúzia de pessoas durante o dia. Pensa que é mentira? Perguntei para a Diviane, no Museu de Bonecos de São José dos Pinhais. Para o professor de Direção Teatral. A três colegas de sala. Perguntei para a Débora, a quem dei carona na volta do curso vespertino. Para a Priscilla, que fez uma pesquisa na lista telefônica. E à Regina, mãe da Priscilla. No caminho, eu solicitei a ajuda de um segurança de galpão, do sujeito manco que vendia macarrão artesanal, da garota curvilínea que andava a esmo nas ruas escuras do Jardim Social (embora não tivéssemos qualquer esperança de que ela soubesse... disso, pelo menos).
Para piorar, o cheiro de algo queimando começou a tomar conta do carro. Assim como não abro correspondência e evito ler os emails de quem quer brigar ou se reconciliar comigo, tentei fingir que o odor não existia. Quando Bntt finalmente mencionou o problema, a única idéia que me ocorreu foi verificar se o freio de mão não estava puxado.
Dei três voltas obscuras para chegar, finalmente, às sete horas em ponto, na rua Paulo Idelfonso Assunção.
Felicidade! O cheiro de queimado foi embora.
Aí entramos e ficamos sentados quinze minutos, na companhia de uma garota de uns 16 anos, com rosto assustado e aparelho nos dentes.
"Oi, tudo bem? Veio para o curso?"
Ela respondeu duas vezes para eu entender. E a segunda ainda foi nessa altura:
"É. Eu quero fazer o curso para lidar com a timidez".
Os camaradas do Antropofocus andavam aflitos, de um lado para o outro, até que finalmente sentaram nos sofás, esfregando as mãos. Um deles usava desses casacos de lhama que o Cassiano passou a adotar depois que foi a Machu Pichu.
"Vamos dar mais uns minutos e ver se chega mais gente".
Eu e Bntt, experientes em fracassos, já havíamos sacado que não chegara a grupo mínimo, mas para a menina foi uma surpresa:
"Minha prima vinha, mas ela não veio".
Outros quinze minutos depois, todos desistiram e os humoristas, cabisbaixos, prometeram ligar para a gente "no dia seguinte ou em seguida". Dizem que o curso regular é um sucesso e ouvi boas recomendações de várias pessoas ligadas ao teatro. Mas precisávamos – e obviamente não conseguimos – de pelo menos mais cinco interessados para viabilizar o intensivo de férias.
"Mãe, pode vir me buscar? Não vai ter".
O fato é que, depois de eu ligar para o Benett e fazer um discurso sobre o corpo do ator, exigindo dele que levasse roupas confortáveis para a oficina e advertindo sobre a necessidade de preparo físico e noção de espaço para a arte do palco, nós nos perdemos na volta, paramos numa pizzaria e enchemos a pança com rodelas de cebola.